maio 29, 2011

À primeira



Há esta fantástica teoria sociológica que diz que a primeira impressão diz tudo sobre a natureza do indivíduo. A primeira e não a segunda. Explique-se. Na segunda impressão que obtemos de uma pessoa ela já se terá comportado de acordo com as nossas expectativas, de acordo com uma espécie de regras sociais ou outras que estiverem a contextualizar o encontro connosco. Já houve uma certa preparação, consciente ou até inconsciente. É, pois, enganadora e inverdadeira. Na primeira impressão, ou se preferir no primeiro encontro de todos, trata-se de conhecer-se desconhecidos. E, desta forma, os indivíduos são naturalmente eles, "sem ensaio", não há ainda nenhuma espécie de jogo nem de tentativa de agradar ou de desagradar, de estar de acordo ou não, de encaixar ou não por esta ou outra razão.
Então, e ainda segundo esta teoria, a qual li há vários anos e acabei por corroborar, mais tarde o comportamento desse indivíduo, e o desenvolvimento da nossa relação com ele, irá bater certo com a imagem que dele retivemos na primeira impressão, mesmo na primeiríssima. É verdade que não nos lembramos da impressão primeira que construímos em/de toda a gente, mas se nos concentrarmos podemos porventura recordar algumas. E aí vão caber as boas e as más impressões. E se fizermos um esforço ainda maior vamos provavelmente acabar por concluir que sim, que a boa veio mais tarde a confirmar-se, pela atitude e importância que a pessoa terá tido na nossa vida, ou que a má, e infelizmente, também se veio a confirmar.
Quantas pessoas deixam de fazer parte do nosso percurso por incompatibilidades de carácter, de postura e de acções?  Tentemos pensar em algumas delas. Não será que o primeiríssimo encontro nos revelou uma natureza que não nos agradou? Qualquer coisa que observámos e de que não gostámos? Uma leve, ligeira falha de personalidade? Dir-se-ia que sim. Não, não é uma teoria sem sentido. É, pelo contrário, extraordinária e ajuda a entender porque muitos relacionamentos ou relações funcionam e outras não. Agora para entendê-la e quiçá corroborá-la é preciso estar aberto a caminhos que nos levam ao conhecimento da natureza humana.
Lembro-me de muitas primeiras impressões. Boas e más. E na maior parte dos casos que recordo, vieram de facto a confirmar-se os receios ou entusiamos iniciais. Não acredita? Experimente. E, claro está, desejo que o encontro número um, que não tem necessariamente que passar pela conversa, lhe tenha deixado marca positiva. Significará que encontrou mais uma pessoa que decididamente vale a pena.

maio 18, 2011

Do infiel amor

Muito se tem escrito sobre a infidelidade. Falado, ainda mais. E, no entanto, há sempre um ponto de vista que pode ser acrescentado a todas as coisas, e esta não será excepção. Ou por experiência pessoal, ou por reflexão, ou por histórias ouvidas, ou por nos apetecer. Neste caso, deixa-se hoje uma breve impressão.  Não se trata aqui de apontar as razões nem falar das consequências, muito menos de dissertar sobre a desilusão ou sofrimento que pode causar. Apenas de saber quem é capaz de o fazer. Fazer a pergunta - quem pode trair? Bem, basicamente...todos. Isso mesmo. Toda a gente. Ou seja, que ninguém se ponha de fora ou, como se diz, ponha as mãos no fogo...por ninguém, inclusivé por nós próprios.
Porque há indivíduos que juram a pés juntos nunca serem capazes de o fazer e, o que é mais extraordinário ainda, juram que o outro, a cara-metade, a alma gémea ou outros epítetos, nunca o faria. Ora isto é de uma arrogância descomunal, muito mais do que ingenuidade. E nunca lhe chamaria confiança, nem segurança, mas mais uma apregoada auto-estima que carece de sensatez. Pressupor que não há ninguém no mundo que iguale ou ultrapasse os nossos encantos, bem, parece-me altamente sobrançeiro e ainda por cima irreal. A sedução que porventura temos ou tivemos no momento da conquista pode desvanecer-se aos olhos do outro, assim como a dele se pode desvanecer perante os nossos. Pensar que somos eternos, insubstituíveis, idolatrados, enfim, não estará propriamente no campo da necessária racionalidade nem de uma desejável modéstia.
Provavelmente haverá que distinguir a chamada facadinha, fruto de uma atracção meramente física, química, luxúria mais ou menos apurada, espicaçada por fantasias, da paixão avassaladora que às vezes nos entra pela porta adentro, a do coração, pois, surgindo mesmo contra a nossa vontade. E se a primeira parece menos desculpável, fruto de um carácter fraco e sujeito a tentações fáceis, a segunda traz sem dúvida mais sofrimento, pois poderá ser irremediável, tendo nós perdido para sempre, e para um novo amor. Ou seja, a traição cujo fétiche é sexual não é tão gravosa nem aniquiladora, em comparação com uma paixão amorosa de rompante, embora seja a primeira realmente mais irritante e mais estupificadora.
Nas duas, há contudo uma grande desilusão por parte de quem é traído. Por amor ou por orgulho, ninguém gosta de sofrer ou perder. Não sei se se gosta de trair. Agora que somos perfeitamente capazes de o fazer, em diferentes circunstâncias e por diferentes causas, acho sinceramente que sim. Não tenhamos certezas absolutas sobre o futuro, nem sobre a nossa vontade, fate sometimes is stronger than will... Não ponhamos o livre arbítrio, que existe, a dominar sempre as emoções... ou as voltas da vida.

maio 08, 2011

Os Bons Rebeldes

Este texto foi publicado no Diário de Aveiro, a 14 de Outubro do ano 2000. Já passou uma década desde que iniciei  estas andanças... Retomo-o aqui. Para quem me conhece não será novidade o conteúdo (uma das minhas obsessões), para quem não me conhece, aqui fica o registo.

É sempre a mesma coisa. Leio a coluna do Alçada Baptista numa conhecida revista feminina e concluo que partilhamos muitos valores e também algumas inquietações. Uma delas é precisamente a dificuldade em aderir à "uniformidade" que vai presidindo aos mecanismos da sociedade.. É realmente redutora a estruturação que se pretende fazer do pensamento e comportamentos humanos. Até actualmente, com tanto enfoque  dado ao respeito pela diferença e pela diversidade, o que é certo é que nas coisas mais simples do dia-a-dia noto com frequência que há uma tendência forte para anular as vozes ou sensações discordantes, quer subestimando-as quer criticando-as e rotulando-as sem qualquer conhecimento de causa. Acontece que, também para mim, não haverá nada mais fundamental do que o respeito pela individualidade e a consequente consideração pelas ideias e atitudes de cada um.
Já por várias vezes me vi obrigada a dizer que só respeitando a minha singularidade e o meu direito de dizer não é que eu poderei relacionar-me de uma forma que pretendo sempre harmoniosa. É bem verdade que me rebelo contra um determinado número de coisas mas há que dizer que esta não é de todo uma atitude gratuita, antes - a tendência é sempre a de não pessoalizar as questões já que a minha visão das coisas, porventura única em alguns momentos, esbarra sim contra sistemas uniformizados e teorias organizadas sob os quais nos fazem ou querem fazer pensar e/ou agir.
Diga-se, de resto, que não é fácil nem cómodo assumir posições de diferença. Não esqueçamos que ao longo da história, e salvaguardando as devidas distâncias, o facto é que os espíritos livres têm sido injustamente julgados no seu tempo, só mais tarde sendo reconhecidos. Portanto, e tal como Alçada Baptista diz, estes comportam grande desvantagem em relação àqueles que se movem no aconchego e na conformidade do todo. De qualquer maneira, tenho a dizer que não consigo, muito francamente, aderir aos pequenos mundos regidos por uma farda - até porque se perde logo uma coisa chamada originalidade, a qual torna, sem dúvida, a existência menos mecânica e menos quotidiana.
O cunho próprio de cada um e a sua exclusividade são, pois, traços que não podem ser apagados sob pena da tela humana ficar empobrecida. Tais considerações não devem ser, logicamente, vistas como um convite à arrogância (longe, longe disso!), o que se pretende é o direito à mais profunda autenticidade existente dentro da alma e da mente de cada um de nós, sobretudo daqueles que dela não abdicam.
Exemplificando um pouco com a profissão que exerço, nomeadamente, verifica-se que um dos critérios na avaliação dos alunos é o seu espírito de grupo, sendo penalizados aqueles que preferem (porque lhes é mais fácil, porque assim rendem mais, simplesmente porque sim) trabalhar individualmente. Esta situação desagrada-me frequentemente porque desvaloriza-se, assim, a independência e a autonomia e procura-se, à força, nestes casos, fomentar a uniformidade, ainda que esta até possa ser absurdamente estéril.
Alargando agora a ideia, concluo, então, com um apelo bem simples - deixe-se os mais dependentes funcionarem numa perfeita igualdade e os menos respirarem na mais completa, absoluta e construtiva liberdade.