Por ser também o nome de uma excelente série britânica dos anos 80 que vi e revi e que se me perpetuou na memória. Hari Kumar. Daphne Manners. E de como o Raj britânico não aceitou nunca a fusão amorosa das duas culturas. Na verdade, a colonização britânica na Índia foi sempre caracterizada por uma considerável distância psicológica entre colonizador e colonizado, dir-se-ia mesmo distância afectiva. Eram muito mal vistos os romances interculturais, sobretudo se era a mulher a ser a "branca". Como era aqui o caso. Daí que a violação de Daphne, não por Hari, obviamente, mas por um grupo de violentos e radicais indianos, tenha servido os propósitos daqueles que apregoavam a segregação social, de um lado e de outro. Um romance entre duas pessoas que se tinham apaixonado tornou-se uma acendalha para a resistência indiana, e um reforço dos princípios racistas e coloniais de muitos ingleses.
Mas curiosamente essa Índia colonial sempre exerceu um grande fascínio em mim. Valiosa, opulenta... Aqueles grandes palácios e aquelas paisagens exóticas, a vida serena de que os britânicos usufruiam, em contraste com a colorida e barulhenta confusão típica indiana, mas ao mesmo tempo o modo como se atraiam algumas vezes apesar das diferenças, do lifestyle, das feridas, do abismo. De tal forma que, sendo eu uma incurável geo-romântica, sempre adorei estas histórias de amor conturbadas e abrigadas por um fundo preenchido com fronteiras culturais e afins. Em "Passagem para a Índia" (maravilhosos filme e livro no curriculum) também há quase uma história dessas a acontecer. Mas o estigma da violação persiste e, consequentemente, o da não-comunhão física e espiritual também... Como a querer dizer que tal não seria, nem foi, possível. Porque os indivíduos e os impulsos da sua alma são muitas vezes esmagados pelo todo, pelas conjuncturas políticas, sociais e históricas. E lá não se vive o amor.
A perspectiva que tenho sobre a Índia, foi então, durante muito tempo romanceada e filtrada pelo cinema e pela literatura. Com o passar do tempo, e com a tendência para o exótico chic, lá se esbateu a vontade de conhecer esta nação. Por isso achei extraordinário o programa sobre os "Portugueses Pelo Mundo" que vi há dias. A forma descontraída e adaptável como enfrentam a experiência Índia. Caos, cor, tradição, pobreza, riqueza cultural, anacronismo, espiritualidade, confusão, exotismo, miséria - uma mescla única mas que admito como difícil no terreno. Fascinante mas a exigir um estofo muito próprio, um despojamento de noções como conforto, luxo, organização, estética, qualidade e outros. Dizia há muitos anos uma conhecida minha, uma hippie de grande simplicidade e total ausência de vaidade, "Não entendi a Índia". Ela, profundamente espiritual e sem caprichos. Portanto não será para todos a capacidade de se adaptar ao estilo de vida indiano e às suas idiossincracias. Leva-me a pensar que não a teria, de todo. E, de certa forma, gostaria que assim não fosse. De não me ter ficado pela visão romântica. De não ter ficado presa às memórias dos livros e filmes que li e vi. De não conseguir lidar com a brutal ainda que autêntica sensorial realidade de um fantástico e avassalador país de contrastes. Barreiras interiores...a ultrapassar...?