Disse então na mensagem anterior que os portugueses se demitem das suas responsabilidades cívicas. Com isto estava a dizer que são pouco interventivos, preferindo queixar-se do que actuar em conformidade com as exigências das circunstâncias. Estava-se obviamente a falar de política mas pode-se alargar este comportamento ao dia-a-dia laboral, já que, nos momentos em que é preciso tomar uma posição, os portugueses optam, sim, mas pelo silêncio. Passa-se a explicar.
Terei de me circunscrever ao meu próprio trabalho, pois é o meio que observo. Durante anos e anos o que tem feito a maior parte dos intervenientes nas reuniões? Obviamente, calado. Calado, no sentido em que fazem apenas balanços positivos das actividades, pois claro, como convém, e depois, sugerindo mais actividades em que, lá está, não pode faltar o tão portuguesinho culto da gastronomia. Almoços, lanches, pequenos-almoços, chá e queijos, churrascos, bifanas, e que mais. Atente-se que não estou contra nada disso. De todo. Não escapando à minha condição de portuguesa, também sei apreciar uma bela iguaria, oh se sei. E, obviamente, que a animação e convívio decorrentes são salutares. São. Não são? Claro que sim.
Mas o que quero dizer é que a nossa participação nas reuniões se baseia em organizar momentos para alimentar o corpo, agora quando é preciso que o espírito dê o corpo ao manifesto (passe o pleonasmo) aí sim a coisa muda de figura. Aí os intervenientes calam-se. Quando têm de reflectir e de dizer o que pensam, fazendo intervenções de cariz mais político, e assumindo uma postura mais individual, quiçá, oh meu deus que silêncio. Porque os portugueses gostam de estar abrigados no conforto do colectivo. Esticar o pescoço e arriscá-lo sozinho(s), isso é que não. E é uma pena.
Porque as reuniões de trabalho são dos espaços mais privilegiados que temos para reflexão, conjunta ou não, e temos de saber aproveitá-los para mudar as coisas quando é preciso ou possível ou então somente para dar o nosso parecer. Estes momentos em que as pessoas reunem devem servir para o melhoramento das condições de trabalho e/ou outras e precisa-se da colaboração de muitos para o tornar praticável, esperançosamente. Quem se remete ao silêncio e pensa como nós não está a ajudar a construir a força que é precisa em muitas situações. Medo, indiferença, dissimulação, futilidade, comodismo, falsa cooperação, ignorância? Bem... nada disto é positivo. Quero acreditar que será por uma outra razão, mais abonatória como, por exemplo, pressa. Pressa em acabar a reunião e ir para casa. Até entendo, se for este o caso, as pessoas também se fartam de tanta solicitação. E o cansaço... Isso é notório. Mas uma reunião só é verdadeiramente interessante se houver a tal intervenção. Confronto de ideias e troca de opiniões.
É que sou um bocado politizada. Entrar sempre mudo e sair sempre calado não faz história. Claro que "falar" nem sempre é bem visto porque se tende a pessoalizar as tomadas de posição, vendo-as como contrárias e até desafiadoras ao sempre desejado bom e harmonioso trabalho sob uma gestão qualquer, quando não é nada disso que se trata. O que está aqui em discussão é esta permanente não intervenção dos portugueses, este deixar rolar, comer e calar, (talvez) sofrer em silêncio, qual herança salazarista cujo fado parece não ir embora. Que começa no quotidiano de todos nós. Figuras secundárias num filme que também deviam protagonizar. Não agarrar o momento, the spotlight...
E, se bem que é preciso saber dizer, quando e onde, é uma pena, repita-se, que não sejamos mais exigentes, sob pena de mantermos o status quo que, possivelmente, não nos agrada por tempos indeterminados e de não ousarmos renovar, reinventar, reciclar, redirecionar, rever, restruturar...ou não. Pode ser que estejamos a opôr-nos, também, a uma mudança que não é desejável nem aceitável. Mas sempre a bem, em princípio, de muitos. Ou então podemos estar sós. Mas ao menos dissemos o que sentíamos e pensávamos. Interviemos, porventura fizemos pensar, e sem intenções obscuras, como atacar ou desestabilizar. Temos dito.