dezembro 03, 2010

Palavras que faltam ou de como a generosidade se faz com verbos

       

A propósito do voluntarismo e da abnegação bondosa de pessoas como os médicos sem fronteiras, apetece-me hoje falar da generosidade vista sob um outro prisma. De facto, parece-me que ela não se esgota em estender a mão a quem precisa, ou seja, ela consiste em mais do que apenas dar "fisicamente", de acordo com as necessidades de ordem prática que se observam por esse mundo.
         Há, para mim, algo precioso a que chamaria a "generosidade das palavras" e que considero como das coisas mais fundamentais para tornar as pessoas psicologicamente felizes. Infelizmente, constato que grande parte das pessoas, por vezes até muito solidárias nas causas, não cultiva esta belíssima característica. Como se, ao fazê-lo, pudessem perder alguma importância ou poder em relação ao outro. Porque muitas das relações que estabelecemos com os outros assenta numa estranha dinâmica de poder, em que se pretende dominar e, assim sendo, não reconhecer o valor de outrém. Francesco Alberoni, cujos livros devoro, fala exactamente disso no seu livro "O Optimismo". Diz este sociólogo italiano que há pessoas que dominam outras anos e anos, sendo mesmo infinitamente medíocres e inseguras, pelo não uso do elogio, do reconhecimento, da valorização. Mantêm as suas "vítimas" presas, à espera de uma apreciação positiva, de uma palavra elogiosa, de um afecto verbal. Fazem o outro, superior na inteligência e na alma, sentir-se diminuído, frágil e sem qualidades.
        Ora isto é de uma crueldade e de uma frieza atrozes. E podem ser pessoas até simpáticas e faladoras a fazê-lo, ainda que as silenciosas e frustradas o possam fazer também. Penso poder dizer que há pessoas assim em todo o lado. Que teimam em não ser generosas verbalmente. Será que é por não serem capazes de o ser? E se tentassem, que tal? São muito tímidas? Que tal ir soltando essa timidez e abrir mais o coração? Não ficariam porventura mais reconfortadas com o obrigado vindo do outro lado? Dizer - tens talento, fizeste um trabalho excelente, isto está óptimo, gostei imenso, tu és fantástico, parabéns, e outras palavras motivadoras e estimulantes - é assim tão difícil? Ou é mesmo consciente e fruto de algum sadismo? Serão ecos de inveja mal disfarçada? Lamentável que assim seja. Sobretudo se se passar ao nível de familiares ou amigos...
        Parece-me que todos temos de fazer um esforço no sentido de fomentarmos cada vez mais a dávida das palavras...O nosso espírito português, não é segredo nem novidade, é algo mesquinho, não gosta muito que os outros brilhem, receamos perder importância ou protagonismo, isto é estupidamente ridículo e profundamente triste. Deveríamos saber que positivismo em relação ao trabalho, criatividade, habilidades e qualidades dos outros é algo contagiante, que palavras calorosas, inspiradoras e afáveis trazem felicidade e realização, e que receberão gratidão e amizade em troca. Há decididamente muito espaço para muitas, mesmo infinitas, estrelas cintilarem, não temamos ficar na sombra por reconhecermos o valor de alguém.
        Eugénio de Andrade diz, num dos seus belos poemas, que as palavras podem ser como um punhal... Mas diz também que algumas delas são como um cristal.  Ferir ou criar brilho, eis a questão. É nossa a escolha e está ao alcance de todos nós. Basta querer ser, verbal e afectivamente, generoso.

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