outubro 20, 2013

O tocante




Não sei se foram aqueles olhos, aquele rosto bonito, inesperado, aquela dignidade que se alicerça em sensibilidade, preocupação e amor maternais. Mas tudo isso, talvez, me tenha contagiado ao ponto das suas lágrimas, no fim, e como as tentou evitar e esconder antes, ao ponto das suas lágrimas quase arrastarem as minhas. Não era Diretora de Turma de miúdos no básico desde há 4, 5 anos. E como me tornei muito mais sensível a estas questões desde que eu própria fui mãe, não consegui deixar de sentir uma enorme solidariedade com esta mãe que me deixou com os olhos em estado líquido, embora, salva pelo meu espírito prático e força nestas circunstâncias, as lágrimas não tivessem rolado. Mas este post não é sobre mim, de longe, mas sim sobre mães que amam os seus filhos e que sofrem com as suas juvenis escolhas, próprias da idade, algumas vezes, de desacertos emocionais, outras, da influência das más companhias, tantas, de conflitos familiares, também.
A postura dela foi sempre correta, dialogante, recetiva, sensível. Quero muito ajudar o miúdo. Disse-lho. Ela está perdida no sentido em que não sabe o que fazer nem percebe o que se passa para o filho estar como está - porque é difícil perceber. Viu-se que as palavras tinham de ser reconfortantes, de apoio, de trabalho em conjunto, atento, vigilante mas tolerante, ao mesmo tempo que atuante. A luz que lhe emanava do rosto contrastava com a sua dor. Nenhum progenitor gosta - gostará - de vir à escola e não receber as melhores notícias sobre os descendentes. Mas se há quem negue e recuse o problema há quem o reconheça e com ele sofra, de forma transparente, sem filtros de espécie alguma. Digna e calma, sempre. E, depois, quando o garoto se foi, não aguentou mais e chorou. Mas as lágrimas chegaram de uma forma genuína, que queria travar, eu era uma desconhecida e não é fácil. Não é fácil ser mãe, educar, mesmo se o fazemos mais ou menos bem, ou até muito bem, pode haver coisas que nos ultrapassam. Uma mulher simples, linda, que me tocou muito. Resta saber se o aluno quer ajuda e quer colaborar. Deveria fazê-lo, pela mãe, e sobretudo por ele próprio. Torço por eles. Toquei-lhe no braço ou no ombro e disse-lhe vai tudo correr bem. Há palavras que têm ser ditas, em certos momentos. Só me resta acertar, por eles. 
Depois, já ao fim da manhã, entrou outra mãe, também preocupada e atenta ao filho. Acrescente-se que se trata de pessoas com vidas difíceis, a vários níveis. As notícias eram boas, muito boas. Parece que o passado ficou lá para trás, onde deve estar, e o menino está bem no presente, quiçá a delinear já um bom futuro. Também vi lágrimas no rosto desta mãe, de alegria, de alívio, de um medo que existia e que ali se atenuou, como num catarse inesperada. Sacudindo algumas dores interiores. Digna, educada, limpidez no rosto e nas palavras, amor de mãe puro. Que feliz fiquei - e estou - por ela. 
A manhã acabou assim, com dois momentos tocantes. Para acreditar que há esperança, porque há sempre gente boa, genuína, que tenta fazer o máximo, nem sempre o conseguindo. Nestes momentos, que no fundo marcaram o meu dia, também volto a acreditar que gosto de ser professora. 

2 comentários:

  1. Vão longe esses tempos e são diferentes as circunstâncias, mas tenho ainda presentes as empatias e os diálogos que cultivei com quase todos os professores das minhas filhas, até à Universidade.

    Abraço

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    1. Compreendo perfeitamente. Confesso que esta parte das relações humanas - das empatias, ainda melhor - são uma área do meu interesse e que me fazem apreciar o cargo (ao contrário da excessiva papelada do mesmo).

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