março 14, 2012

Seara em nada nova ...

 
Ficou-me a vontade de escrever algo sobre a desertificação do interior a partir de um comentário lido e eleito como o da semana num blogue coletivo que sigo.
A comentarista é alentejana e "falava" do facto de, presentemente, a cidade onde vive ter vindo a ficar sem correios, sem centro de saúde, sem tribunal e mais serviços cuja não existência, desta forma, tem vindo a prejudicar a vida das populações, nesta ou noutra cidade plantada em terras alentejanas ou noutras longe da costa. Vivo na costa, a poucos minutos do mar, numa pequena cidade pertíssimo de uma maiorzinha que oferece todas as condições de vida que dignificam os cidadãos, que pagam impostos e que descontam para usufruirem destes e de outros serviços. Portanto, não tenho, para já, as contrariedades e a tristeza de assistir a esse aniquilamento de serviços e infraestruturas necessárias à vida quotidiana e que leva, depois e sem qualquer surpresa, à desertificação, ao êxodo das pessoas para onde podem ter mais facilidades, a vários níveis,  inclusivamente as de emprego.
Mas esta introdução serve para recordar uma pequena vila no Alentejo onde passei as minhas férias desde miúda e onde ainda vou amiúde, apesar de agora já não pernoitar por lá. Essa vila chama-se Cabrela e fica ao lado de Vendas Novas, onde tenho raízes. Desde sempre que me habituei a passar lá umas semanas no verão, sim, com um calor abrasador, que nos fazia recolher na hora da sesta. Não que a fizesse, não tenho esse hábito, afinal vivo bem a norte, mas era, de facto, extremamente difícil pôr os pés fora de casa antes do entardecer.
Tinha família nessa vila pintada a branco com tiras amarelas, verdes ou azuis nas janelas. O meu tio era o chefe do posto de correios. A casa onde vivia e eu ficava, nunca mais esqueci. Era, do meu ponto de vista pequeno de pequenina, grande, com a parte dos correios na frente e a parte habitacional atrás. Lembro-me  de estar fresca, muito fresca, e de ter um patiozinho quente onde nos recolhíamos sob a sombra apaziguadora das árvores. As brincadeiras com a minha prima passavam muitas vezes pelos correios, onde entrávamos quando não havia gente, e nos atrevíamos a desvendar os objetos que povoavam aquele espaço sério, organizado, impecavelmente limpo e arejado, monocromático quase, logo ao lado mas longe do convívio familiar do resto da casa.
Não havia supermercado mas mercearias, farmácia, nessa altura agora longínqua, não me lembro, assim como não me recordo do posto de saúde. Lembro-me da igreja e de brincarmos, garotada nas correrias e risadas, no seu largo antes e depois do jantar, recordo com facilidade o posto da guarda,  pequenos cafés simples e tranquilos a servirem pires de caracóis e cerveja, pessoas nas portas à conversa fácil porque aberta e disponível, bailes e festas de rua, o cemitério, pois claro, lá estão enterrados os meus avós, e não muito mais em termos de espaços e atividades. Uma espantosa tranquilidade que parece tirada de um filme parado no tempo, se comparado com o ritmo citadino, mas que me renovava e renova as energias, pois volto sempre todos os anos, à procura do silêncio.
Volto a Cabrela mas não fico mais do que um bocadinho. Os correios foram encerrados há anos e anos, o meu tio está reformado, mudou-se com a família para a terra das bifanas ao lado, a vila tem menos e menos gente, continua soalheira e simpática, mas sem farmácias, sem supermercados, sem escolas a partir do 4º ano, sem posto de saúde. A minha prima, entretanto crescida como eu, diz-me que em Vendas Novas o centro de saúde também fechou (até passou nas notícias na televisão, na altura) e que, das urgências, muitas vezes tem que se deslocar com as filhas pequenas no meio da noite ou madrugada adentro até Évora e Lisboa se quer um hospital. Esta prima e outras permanecem no Alentejo, outras saíram e vivem em Lisboa. 
A questão é que sou uma grande fã do Alentejo, para onde parto para descansar e sentir um quieto pulsar de outras coisas que não a rapidez e a voracidade dos dias. Mas não vivo lá e a ver pelo que desaparece do seu mapa de ofertas e serviços não sei até que ponto ou até quando quem vive poderá lá permanecer. Sendo péssimo para quem precisa de trabalhar e viver numa terra que é a sua, também não alegra quem queira respirar umas horas tranquilas. Porque qualquer dia vamos lá e não temos onde ficar, todos terão partido. Por mim, nós e sobretudo por eles, que saudades dos correios.

2 comentários:

  1. O Alentejo do desencanto continua a espera, à espera de um tempo novo em que deixará de servir quem o despreza.

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  2. É mesmo, é triste ver que o desencanto vai tomando conta das searas doiradas que muito me encantam e apaziguam. Lindo Alentejo de memórias pessoais e prazeres pacificadores:)

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