dezembro 16, 2012

Aparentemente



Não podemos mesmo fazer julgamentos precipitados. É péssimo, para dizer o mínimo. E se baseados em preconceitos que ainda não ultrapassámos, pior. 
Fui ao Ria Café ontem, o melhor café de Aveiro, já agora, e deparei-me com um homem a falar com o meu marido e com o empregado. O casaco era de cabedal preto, as calças, de ganga, o cabelo, uma tira longa em forma de  crista e um rosto horrível, que nem vi bem, por me impressionar e por não desejar sequer conhecer a pessoa em questão. Não compreendi porque falava tanto o meu marido com ele e desejei intimamente que não me apresentasse. Tomei-o por um drogado, no grau mais elevado de auto-destruição,  um "junkie" e "outcast" da pior espécie, com um estilo demasiadamente agressivo para quem se diz tolerante mas rejeita alguns estilos com os quais não se identifica e sobre os quais terá, tenho, decerto, ideias pré-concebidas e erradas. O homem despediu-se e saiu. Não fixei a conversa nem o que disse, por opção, decorrente de tudo o que escrevi até agora.
Imediatamente, o meu marido diz-me que este homem, um jovem, foi alvo de uma grande tragédia. Estando sem emprego em Portugal, foi para França trabalhar no ano passado. Na empresa onde trabalhava registou-se uma enorme explosão que lhe queimou 90% do corpo. Havias de o ver antes, Fatinha. Um rosto e um look "normalíssimos", um rapaz longe desta amargura estampada na cara e nas emoções, pois também fui informada que ainda não se encontra bem psicologicamente, nada bem, ao que parece. E a crista?, insisto eu, com perguntas idiotas. Foi o resto do cabelo que lhe sobrou. 
Senti-me pessimamente. Tinha desejado nem sequer ser-lhe apresentada e não era nada do que fabricara na minha cabeça. Infelizmente, era bem pior, de uma certa maneira. Talvez. Porque não fruto de uma escolha mas sim de um azar, de um acidente de trabalho, de um revés que não sonhamos nem desejamos ter.  Lembrou-me aquela história que o ilusionista Luís de Matos contou no "Alta Definição" e que não esqueci. Dizia que um amigo, uma vez, se tinha indignado com o comportamento irrequieto e desadequado de dois miúdos no autocarro. Irritado, perguntou ao pai porque não tomava uma atitude mais firme. Este respondeu que os dois irmãos tinham saído do hospital onde tinham visto a mão falecer. Se alguém lhe pudesse dar uma resposta que ele pudesse facultar aos filhos, ele agradecia.
Na verdade, as aparências iludem, e já devíamos saber isto sem nunca o questionar. Não sabemos o que está do outro lado, as coisas terríveis que se alojaram por lá. E se não sabemos, não julguemos. Pelo menos estupidamente, como fiz e como não deveria ter feito. Péssimo.

8 comentários:

  1. Pois, às vezes, somos vítimas de precipitações e preconceitos bobos. O ditado: "Quem vê caras não vê corações" não podia estar mais acertado! Marla

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  2. É exercício difícil o de não julgar, somos frutos de uma educação em se é levado a julgar pelas aparência e em que certos preconceitos teimam em permanecer. Ainda ontem uma amiga me contava que foi preconceituosa, ela que semprebjulgara estar acima dsetas coisas por ter uma mente aberta...n~ºao tanto quanto pesava. Bjs

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    1. Temos todos barreiras interiores, de vários tipos e diferentes, obrigatoriamente, que ainda não estão completamente derrubadas. Vamos tentando... :)

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  3. Ana Paula Carvalhodezembro 16, 2012

    Quem vê caras não vê corações. É bem verdade este ditado.Pela minha experiência,já conheci pessoas aparentemente normais por fora, mas por dentro não valem nada.Por outro lado, pessoas que não davas nada por elas, após as conheceres melhor,são de uma beleza interior impressionante!

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    1. Completamente, Ana. Neste caso, é mais aquela história de haver muito sofrimento por detrás de uma imagem que se cataloga de "negativa" segundo os nossos padrões...

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  4. Diana Oliveiradezembro 16, 2012

    Acho que é parte da condição humana fazer esses julgamentos, e mente quem diz que não o faz. Muita gente nos julga sem o expressar verbalmente. E é bem verdade que na maioria das vezes as primeiras impressões contam e persistem. Mas acho que ter a humildade de dizer que nos enganámos, seja nesta ou noutras situações é que é verdadeiramente importante. Todos erramos, nem todos o admitimos. Nestas situações acho que o pior é quando não se consegue disfarçar, eu por exemplo acho muito difícil disfarçar quando não gosto particularmente de alguém e muitas vezes até me custa olhar-lhe para a cara seja bonito/a ou feio/a. Tento ter a mente aberta, acho que isso é muito importante no nosso papel de prof/formadores, não achas Faty?? Quantas vezes achamos um miúdo/miúda difícil e depois ficamos a saber a sua história e pensamos "eh, pá, isso explica muita coisa...". Tudo isto para dizer...não te sintas mal, acontece.

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    1. Concordo, e acontece a todos. O que não desculpa mas também não é caso para traumas. Foi isso. :) Bjs e obrigada por te ver aqui, Diana ***

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