Veio-me no outro dia ao pensamento, já nem sei bem porquê, a espécie de acusação que certa imprensa faz ao facto de figuras públicas (meritórias ou não, não é isso que interessa aqui) não se mostrarem acessíveis quando confrontadas com um problema (que poderia interessar aos leitores e público em geral, vendendo muito mais, pois claro). Queixa-se a imprensa, essa mesma, de que anteriormente foram simpáticas e abriram as portas da sua casa quando tudo corria bem e que agora que não corre as fecham e não dão satisfações (a quem sempre os tratou bem, costumam acrescentar). Não vejo onde esteja o problema, pelo contrário.
É extraordinariamente natural que as pessoas, públicas, neste caso, e as outras também, gostem de partilhar os seus momentos bons mas já não o sintam o mesmo quando postas perante uma adversidade, um fracasso. Nem sequer vou fazer a distinção entre problemas decorrentes da vida quotidiana (doença, divórcio, perdas físicas) e outros que decorreram da falta de caráter (comportamentos moralmente criticáveis e crimes). O cerne da questão é o mesmo; perante um problema que implique uma razoável dose de sofrimento, merecido ou não, é expetável que as pessoas não queiram partilhá-lo publicamente. A dor e a vergonha, respetivamente, impedi-las-á, impedir-nos-á, de aparecer com um sorriso estampado e de ter apetência para conversas e confissões, sobretudo numa escala tão alargada.
O argumento de que já se mostraram disponíveis antes e que agora já não estão também não serve. Nada me obriga, nos obriga, a abrir as portas da nossa casa (e do que está dentro de nós) o tempo inteiro; se o fiz uma vez, ontem, não tenho que o fazer hoje, se não me apetece e é contra a minha vontade. Ninguém consegue estar disponível sempre, em qualquer circunstância, dizer não é, ainda e sempre, uma grande forma de viver de forma livre. Posso e podemos estar condicionados de outras formas, porque os acontecimentos nos ultrapassaram, mas a vontade persiste e tem de ser respeitada. E isto vale para a imprensa, esta ou outra, e para tudo.
Se há cortesias que devem ser observadas, por cortesia, se há compromissos que devem ser respeitados, por respeito, não há obrigação de nada se a nada estou ou estamos obrigados. Há tempos de silêncio, de fuga, de ausência. São precisos e pena é que signifiquem, muitas vezes, um encontro marcado com a adversidade, no caso de ausência de culpas pelo sucedido. São precisos e preciosos, e palavras e imagens nestas alturas são frequentemente dispensáveis e mesmo danosas. Respeitar o fecho das portas nestas alturas é a melhor maneira de garantir a admiração e o afeto de alguém que quis refugiar-se.
Estava na mó de cima e aparecia e agora já não. E daí? Deixemos cada um ondular ao ritmo dos seus momentos, deixemos que apareçam e sorriam quando querem e sossegar quando precisam ou desejam. Um momento, por favor. Agora, não.
Assunto interessante sem dúvida. Permita-me que discorde num ou outro ponto.
ResponderEliminarSe por um lado existe gente, que por ter um cargo público, se torna, ainda que involuntariamente em figura pública, e aí assiste-lhes o direito de recusar partilhar momentos menos bons.
Sou contra o facto da imprensa estar presente em funerais. São momentos demasiado dolorosos, pelo menos quero acreditar que sim, para serem mostrados ao mundo, como se de um verdadeiro festival se tratasse. A falta de sensibilidade, por parte de alguns, neste séc. em que nos encontramos, por vezes envergonha-me.
Agora, e por outro lado, existem aqueles que querem à força toda ser "gente famosa" (o que quer que isso queira dizer). Quando precisam de ser "promovidos", abrem a porta da sua vida ao mundo. Portanto, usam a imprensa. Logo, têm de estar cientes, que quando "usamos" alguém, esse alguém, mais cedo ou mais tarde vai cobrar. É a lei da vida, quer gostemos, quer não. Convém não nos colocarmos a jeito. E a maior parte destas pessoas, que entretanto fecha a porta quando a coisa não lhes convém (e por vezes até por estratégia) vai no momento seguinte bater novamente à porta da mesma imprensa.
Este é um mundo de aparências e nem sempre aquilo que parece é.
Tem razão no que diz, há quem use a imprensa (e os media) para se promover, assim como a imprensa os usa para vender. Mas ainda assim, não é não. É um direito não aparecer quando não estamos bem (ou até se estamos). Sou por respeitar-se a vontade individual.:)
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