janeiro 21, 2013

Gente feliz e tonta sem lágrimas

Já há algum tempo a esta parte que assisto a comportamentos nos funerais que me fazem espécie. Trata-se de um momento que pede solenidade, seriedade, silêncio, pesar, mesmo se a pessoa não nos foi próxima. Mas estaremos lá porque teremos alguém a ela ligados que nos é. Sendo assim, não vejo as piadas e as gargalhadas como nada a não ser uma tremenda falta de respeito perante o sofrimento alheio que não nos devia ser alheio. 
Quando vou, vou consciente do que significa e do que envolve, não me apetecem conversas, sobretudo as superficiais e as maliciosas, porque não considero que seja o espaço ou o momento. (Não quer dizer que as aprecie por aí além noutro lugar, mas aqui são intoleráveis.) Não é uma questão de dramatizar, mas tão somente de compartilhar a dor de alguém que a estará a sentir. (Isto para não falar quando somos nós que estamos a sofrer. E, já agora, o que sentiríamos nós se ouvíssemos risos e graçolas mesmo perto de nós?)
Obviamente que a vida continua - embora não da mesma forma para quem perdeu alguém, nunca da mesma forma - e que nós cá estamos e ainda bem, obviamente que as pessoas têm de conversar sobre qualquer coisa, obviamente que as pessoas gostam e precisam de aligeirar os assuntos de alguma forma trágicos.  Mas temos mesmo de conversar como habitualmente? E porquê? Porque não aguentamos o silêncio? Porque o silêncio e alguma introspeção nos fazem confrontar com a grande fragilidade que afinal carregamos connosco? Parece-me que sim, que este confronto com a nossa pequenez e impotência perante o universo, a existência, o destino assusta a maioria das pessoas. E aligeirar significa precisamente isso -  o fugir à constatação da nossa vulnerabilidade.
Não se trata de um elogio à tristeza, mas de um apelo à mais profunda sensibilidade individual. A mesma que nos faz transportar para a pele do outro, sentindo-lhe as dores mesmo se não derramando lágrimas. Um funeral é um momento duro, de encontro com uma dimensão que não dominamos nem conhecemos. Mas na dureza de emoções, é preciso estar à altura. Crentes ou não crentes, não se pode celebrar a perda. Ou ignorá-la, apenas porque não bateu à nossa porta. E, pior, gracejar por causa dela. Ou sou eu que sou sensível. Ou que não sei o que se faz. Ou não sei.

4 comentários:

  1. Não posso estar mais de acordo com este lindíssimo post que fala da nossa vulnerabilidade e sensibilidade mais profundas. E do respeito por isso, que se faz maioritariamente em silêncio. Porque a dor é um momento de solidão. E só se pode acompanhar em silêncio. Digo eu...
    Beijinho :)

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    1. E diz lindamente, é o que penso também. Obrigada pelo comentário tão bonito. :)

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  2. É verdade. Nem todas as pessoas tem a melhor postura ou um comportamento tido como normal ou conveniente numa cerimónia fúnebre. Isto faz-me lembrar um momento muito triste. Há cerca de 10 anos, perdi um primo muito jovem, na casa dos 20 (suicídio). A avó dele não parou de falar durante e após a missa. Aproximava-se de todos e falava, que nem um papagaio, de coisas triviais da vida. Ela era assim e chocou-me que num momento destes, ela não se tivesse votado ao silêncio... Marla

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    1. Bem, também tenho uma memória ou outra parecida com essa situação. Mas aí é frieza, total ausência de sentimento. No caso de pessoas que não nos são nada, é mais desrespeito por quem nos é e sofre naquele momento. Em ambos os casos, ele há gente...

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