janeiro 15, 2013

Mens sana



No final de dezembro entrei, pela primeira vez, numa clínica psiquiátrica. Foi em Celas, Coimbra, e desloquei-me até lá com duas amigas para visitarmos uma pessoa conhecida das três, que, entretanto, até já saiu. Por razões óbvias, não vou adiantar qualquer pormenor acerca desta situação pessoal. O que quero expressar aqui é que realmente nós somos, muitas vezes, fruto de mensagens que nos passam desde sempre, seja por via familiar ou pessoal ou por via dos media. E que, desta forma e neste caso, continua a ser vista como um estigma qualquer perturbação ao nível psicológico.
Enquanto me dirigia para lá, senti um desconforto estranho, uma apreensão esquisita, temendo um pouco o que poderia encontrar. Lá vêm à mente as imagens de gente altamente perturbada, tresloucada, com aparências igualmente desalinhadas e comportamentos assustadoramente pouco reconhecíveis. Não gostando propriamente de hospitais e do sofrimento que eles, na grande maioria das vezes, implicam, a verdade é que a sensação de ir até uma ala de ortopedia ou de psiquiatria difere notoriamente. É muito triste, dizia, mas no fundo não são tristes todas as doenças graves ou todas as que fazem as pessoas estar internadas e confinadas a uma cama, a um mundo que lhes é, naturalmente, estranho? Não é triste verificarmos a fragilidade humana, a impotência, muitas vezes, em fazer frente a este tipo de adversidades? 
Ainda assim, continuamos especialmente cruéis com as patologias do foro mental. Lamentamos e desculpamos as outras, não imputando qualquer culpa aos doentes, mas já acusamos, troçamos e catalogamos de fracos os pacientes desta área. Continuamos a achar que é sinal de fraqueza, de desiquilíbrio, de incapacidade inata, de distúrbios da personalidade. Esquecemo-nos de que todos podemos passar pelo mesmo e se não passamos por este mesmo podemos passar por um outro, sofrer de algum tipo de problema de saúde que nos fragilize ou incapacite de alguma forma, Esquecemo-nos de que somos humanos, portanto, falíveis, frágeis, impotentes em relação a um determinado número de coisas superiores.
A clínica está no meio do silêncio e de algum verde. O que seria excelente, em circunstâncias normais. Mas o edifício é velho e ajuda a criar um clima de suspense, de (ir)realidade fora dos padrões normais a que estamos habituados. Enquanto esperava cá fora, à entrada, uma mulher de roupão apareceu para fumar. Parecia extremamente lúcida e estivemos à conversa, porque ela assim o desejou. Não se lembrava de nada mas mostrou os pulsos vermelhos, de ter sido apertada à força, disse. Foi-lhe dito que tentara atirar-se da janela abaixo, do seu apartamento, e que o marido a quis enfiar ali, concluiu. Era a segunda vez que ali ia parar. Parecia absolutamente lúcida e até inteligente, falou dos filhos e de coisas concretas. No fim, disse que a deixaram ali porque queriam ir para a passagem de ano e não queriam ter uma doente como empecilho. 
O que parece ser, não é. A lucidez, afinal, era atraiçoada por laivos de alguma paranóia. Mas não haverá tantos assim? Que exibem uma normalidade que não corresponde à realidade? E não haverá tantos que sendo lúcidos podem desorientar-se para além do normal? Mesmo que por pouco tempo ou apenas por instantes? E não podem ser eles qualquer um de nós? Podem, podemos, e aí é que está. Não estigmatizemos nem julguemos porque não sabemos se não usaremos um roupão durante o dia um dia qualquer. Esperando que não, claro, assim como esperando que não relativamente a qualquer outro problema de saúde. Porque é desta - ou da sua ausência -  que se trata.

9 comentários:

  1. A loucura não se vê nas radiografias nem se mede em valores absolutos. Um grave problema dentro da humanidade, tão subjectiva mas ao mesmo tempo tão carente de objectividade. Um beijinho, Fátima.

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    1. Obrigada, Carla. Outro para ti - ou um sorriso, se preferires :)
      E é isso tudo que dizes.

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  2. Quem e o que são os ditos normais?

    Abraço

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    1. A fronteira é tão ténue... Beijo para si, jrd.

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  3. Normal... Parece-me tantas vezes a vontade de nos fingirmos ou realmente ficarmos loucos só para termos o privilégio de nos perdermos dentro de nós próprios e deste modo evitar o confronto com o que mais nos atormenta. Pena é que nem sempre se encontre o caminho de volta...

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    1. Andreia - tinha-me esquecido ;-)

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    2. Andreia Silva? :) Pois, o risco é esse.

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  4. Mas olhe, Fátima, que na génese e no desenvolvimento de muitas patologias do foro psicológico há muita química e física, ou seja, biologia a funcionar mal. Não ataca a pernoca, mas todo o nosso corpo é comandado pelo sistema nervoso e se este falha, tudo, mas mesmo tudo, pode falhar. E sim, ainda existe estigma social, mas se quiser faço-lhe já uma lista infindável de proeminentes personalidades de todas as áreas que sofrem ou sofreram destes males. Beijinhos :)

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    1. Mas é isso mesmo que eu penso, Paulo. Que é algo biológico e não defeito de personalidade ou fraqueza de caráter. E, no entanto, continua-se a ser cruel para com este tipo de problemas de saúde (ou ausência dela). E, lá está, acomete, muitas vezes, as grandes inteligências ou génios. :)
      Bj grande

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