setembro 30, 2012

Uma no cravo outra na canela



No outro dia espreitei os comentários à notícia que dava conta de que os portugueses que tinham visto "Gabriela" nos primeiros episódios eram em larga escala. Os comentaristas, num português, vá, longe do ideal, insultavam o povo português por estar a ver novelas e não a ver, a fazer ou pensar em outras coisas. Bom, vejamos. Sabemos que há uma crise e que estamos, todos embora uns mais do que outros, a atravessar maiores dificuldades. Sabemos que devemos disso estar conscientes, intervir e tomar posições. Sabemos que a vida real é feita destas dificuldades sérias e de outras de outro tipo e às quais não podemos nem podíamos estar indiferentes. Mas também não é por vermos uma telenovela, com a acrescida curiosidade de a compararmos à versão original, que literalmente parou o país há tantos anos, que vamos ser menos sensíveis e menos preocupados com a realidade circundante. Apenas nos damos ainda a um pequeno luxo que é poder apreciar alguma coisa que nos ponha um pouco mais bem dispostos, menos apreensivos com o presente e com o futuro durante uma meia hora. Os divertimentos podem ser criticáveis em tempos difíceis, vistos como formas alienadas de fugir da realidade e como egoístas inconsciências, sociais e políticas, mas na verdade é legítimo também que as pessoas tentem aliviar as pressões quotidianas. Também pode ser discutível a noção de entretenimento de boa e de má qualidade. Há quem possa ver este tipo de programa como menor, intelectualmente pouco enriquecedor, podemos até concordar se é só isso que vemos e se apenas isso é transmitido pelos canais generalistas, o que sucede, infelizmente, com frequência. Sem dúvida. Mas há ficção que é adaptada de grandes obras literárias, como é o caso, e é um prazer vê-la no pequeno (ou grande) écrã. Pessoalmente sempre apreciei a ficção brasileira adaptada da literatura e tenho acompanhado "Gabriela" sempre que posso e quero. Comparo as duas versões, considero melhores alguns aspetos e algumas personagens não tão marcantes, sobretudo as femininas, essencialmente as femininas. E por estar meia hora por dia distraída não invalida que não esteja consciente do resto. Apenas é preciso sobreviver e ainda fazer alguma festa, se possível e quando possível, a propósito de pequenas coisas ou quiçá maiores. E não é só em Portugal que séries fazem furor, não somos menores do que os americanos ou ingleses que também se deixam seduzir por um ou outro programa televisivo. Poderá voltar-se à questão da qualidade, e levar-nos-ia para um outro tema, mas neste caso muita gente até releu ou está a ler pela primeira vez o livro de Jorge Amado para melhor compreender a história. Digam lá se isso não é positivo.  Não é, pois, por visitarmos de novo a Bahia que perdemos a dignidade ou o envolvimento - quando eles existem. Não é. 

6 comentários:

  1. Adorei o texto! Assino por baixo.
    Desconfio sempre um pouco, de quem não tem a capacidade de se divertir, nem que seja por meia hora, ou cinco minutos. Acho que o nosso equilibrio depende disso, e passa exactamente por aí:)

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  2. Acho fundamental que as pessoas estejam conscientes da realidade atual e se mostrem empenhadas e ativas nas manifestações e demais iniciativas, mas isso não as deve impedir de se divertirem, descontraírem,... Há horas para tudo!
    Nem que seja meia hora de novela, sobretudo baseada em belíssimas histórias do nordeste brasileiro. :) Marla

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  3. Penso o mesmo, é uma forma de relaxamento, entre muitas outras. E sempre nos faz conhecer outras épocas, há um pano de fundo político e social subjacente à história da protagonista.

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  4. Concordo com tudo o que disseste, também assino por baixo. Não é por nos distrairmos um pouco que nos esquecemos da crise, mas talvez seja graças a isso que conseguimos sobreviver a ela.
    Quanto à Gabriela, tem muito que se lha diga!... Talvez ainda venha a fazer também um post sobre esta telenovela!

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  5. Gostei muito. E não sou maoista. Os maoistas é que, uma vez introduzidos no processos revolucionário, nunca mais são o que eram, perdendo, inclusivamente, a capacidade de brincar, amar, pensar, libertar. Tens toda a razão. Nenhuma revolução é demasiado séria para nos alienar. Gosto da gabriela e gostei deste texto. E gostei muito das primeira Gabriela também. Parabéns.
    joao de miranda m.

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  6. Teresa, fico à espera! :) Ansiosamente:)

    Obrigada, João. É isso - fazer revolução o tempo todo é perder a capacidade de brincar e libertar - que bem dito, como sempre vindo de ti.

    Beijinhos para os 2

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