Hoje não vi as notícias mas imagino, porque ouvi en passant na televisão de um consultório, que as violentas e inaceitáveis reações anti-americanas tenham continuado, alastrado e tomado proporções maiores por causa do tal filme americano anti-islão.
Ora isto leva-me a escrever este post, juntamente com o facto de ter sido exibido há já algum tempo um filme na televisão tunisina que já havia causado alguns tumultos no país primeiro da primavera árabe e que me preparava para comentar aqui.
1. Enquanto lia no blogue de Joana Lopes este post, fiquei a saber que o filme do qual se havia falado anteriormente aqui em casa se chama "Persepolis", realizado por uma iraniana. Aquando da sua exibição na agora pela primeira vez livre de censura tv tunisina, setores mais radicalizados que têm emergido com a revolução (no tempo de Ben Ali estas posições eram abafadas e reprimidas) tiveram uma reação extremada, contrária ao pretendido pelo direito da liberdade de expressão, apanágio das verdadeiras democracias. A Joana disse algo que subscrevo totalmente - não é possível haver democracia sem verdadeira laicidade, após deslocar-se por vários países árabes, ao que me pareceu. Concordo, repito, mas refletindo bem ainda há, nesse aspeto, que dar tempo ao tempo. Por isso escrevi o post anterior, em que dava conta de uma certa pressa, do ponto de vista ocidental, em se conseguirem resultados do dia para a noite. Não é porque põem a andar um ditador ("dégage") que todas as formas de democracia veem a luz do dia automaticamente. Eleições livres, uma televisão sem censura, liberdade para falar nos cafés sobre política (o que era impensável antes), liberdade religiosa individual e outras conquistas que estão a ser efetivas não invalidam que não continue a haver fortes marcas de tradição (ainda mais do que religião, e de como uma está tão mas tão ligada à outra), com todos os condicionalismos que se colocam, assim, à liberdade social, à liberdade de expressão e outras. Também em Portugal, se bem recordo, por ler ou ter ouvido, foram tecidas críticas e reações mais intempestivas houve quando passaram alguns filmes na televisão mais ousados. Acho que havia um, italiano, totalmente inofensivo, chamado "Pato com laranja" ( só o título é hilariante) que suscitou reações conservadoras. E bem depois, quando passou "Império dos sentidos" na nossa televisão, houve bispos e setores tradicionais muito ofendidos com a exibição. A televisão chega às massas, com tudo o que isso significa. Também os judeus se sentiram ofendidos com "A paixão de cristo", de Mel Gibson, organizando manifestações e apelidando-o de anti-semita, isto se falarmos em cinema e mais recente. A questão religiosa continua, desta forma, a ser muito sensível para muitos, que ainda não conseguiram secularizar a cabeça. Pedir que todos o façam rapidamente não é possível, será uma questão de tempo. E quando falo em impaciência do lado de cá (mundo ocidental) é porque nos colocamos frequentemente à frente de outros povos. Temos de compreender que outros ainda não estão e que nós também já evoluímos. Que tal dar o benefício da dúvida, esperar? O que são 35 anos na história? Nada. Outros chegarão onde estamos. Mas é cedo e não se pode ter tudo de repente, vai-se por partes.
2. Uma querida leitora e bloguista dizia, e tão bem no post anterior, que do lado de lá também são precipitados a atirar rockets e a fazer demais ações radicalizadas. Mas sem dúvida. Sem dúvida nenhuma. É perfeitamente inaceitável o tipo de reações que um filme ou um vídeo ou umas caricaturas suscitam pelo simples facto de se sentirem ofendidos na sua dignidade religiosa e cultural. Será, contudo, legítimo o sentimento de ofensa (embora não o partilhe, relativamente à minha religião, ou será por não ser praticante, não sei), mas nunca a violência que daí se origina e a generalização que se faz dos ofensores. Ainda agora vi no FB de uma amiga tunisina (já falei dela uma vez ou outra por aqui) um post que exibe um cartaz que pretende serenar os ânimos. Diz qualquer coisa como - eu sou americana e condeno o filme, e não acreditem que ele reflete o sentimento de todos os americanos, não reflete (acompanhada de uma foto). Compreende-se o objetivo da americana (a ser verdadeiro) e também o da tunisina. Ausência de racionalidade, de serenidade, de visão e de tolerância ditam estas incríveis radicalizações de discursos e de ações. Haja paciência também aqui! Porque falta tanta ponderação! Se compreendo que estas questões possam ser sensíveis, e repito, não comungo destas sensibilidades, já não compreendo o teor das reações. Nem as aceito, condeno-as até ao tutano e irritam-me profundamente. Porque deixam, também, marcas péssimas na imagem de povos e de uma religião, neste caso, tomando-se o todo pela parte e não deixando espaço para o reconhecimento da existência de quem pensa diferente também por lá. Não suporto extremismos de alguma espécie nem os variados males que fazem nascer. E lembrando-me da Joana, laicidade, como gosto dela.
Além de religioso, o problema é cultural e civilizacional -"l'enfer, c'est les autres"- e as intolerâncias variam de acordo.
ResponderEliminarOs modelos não se impõem.
bfs
Um realizador deve ter a liberdade de poder exercer a sua criatividade. Não deve e não pode estar preocupado com ideologias religiosas, que não são mais do que puro fanatismo. Completamente estúpidas estas posições, em que se matam pessoas porque alguém resolveu desafiar os tais fiéis, colocando personagens a falar como se de pessoas comuns se tratassem (julgo eu, se estiver errada, pelo desculpa.
ResponderEliminarEspiritualidade é outra coisa,não está presa a nenhuma instituição dita religiosa. Une as pessoas. Não afasta e provoca mortes, por causa de...cinema. Absurdo!
jrd - Concordo que os modelos não se impõem, em absoluto. Essa é, de resto, a mania do "ocidente". Com os resultados que se sabem... Não concordo que seja civilizacional. De todo, recuso totalmente a ideia do choque de civilizações. Trata-se de um questão de tempo/s, existem diferentes patamares de progresso/evolução. Também já fomos radicais e conservadores, muito e em muitas áreas. Isso levava-nos a muitíssimos exemplos. E a radicalização islamista tem sido mais intensa por fortíssimos motivos políticos. Antes da questão palestiniana não havia este exacerbamento e anti-americanismo. A política tem cativado adeptos em nome da religião. Errado, claro. Daí que defendo, condenando o extremismo, que é tudo uma questão de tempo/s.
ResponderEliminarOlá, Maria. :) (também sou Madeira, sabia?) Concordo em absoluto que espiritualidade e religião, como é muitas vezes encarada, não produzem os mesmos resultados. Cá e lá.
ResponderEliminarA liberdade de expressão é um direito, embora possa, como parece neste caso, ser ofensiva em relação a outras sensibilidades. Estas sensibilidades são naturais (não as tenho mas há quem tenha), o que é condenável são as ações que daí decorrem. Racionalidade e humanismo precisam-se. Lá e cá.
Obrigada pela visita. :)
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ResponderEliminarEste é um tema que está em agenda para ser abordado também no Kruzes. Não sei,nem me interessa, se o filme em causa ofende o pensamento de alguém em alguma parte do mundo. Até pode, inclusivamente, ofender-me a mim. O que não aceito e nem compreendo é que alguém possa aceitar que outros queiram condicionar a nossa liberdade de expressão e o nosso modo de vida. Se eu posso chamar filho da puta ao primeiro ministro do meu país, porque não hei-de poder fazer o mesmo em relação a Maomé ou outro ser imaginário qualquer?!
ResponderEliminarFátima,
ResponderEliminarRespeito a sua opinião, mas, para mim, o choque civilizacional é velho como o tempo.
A questão religiosa serve, como sempre serviu, de pretexto para concretizar, outros desígnios perversos e políticos (económicos, demográficos, etc).
Tudo isto nos levaria muito longe e, provavelmente, iríamos acabar a dissertar sobre o "bem e o "mal".
Um abraço
Kruzes, percebi claramente a sua opinião. :) Bom fim de semana
ResponderEliminarjrd, pois, eu também respeito a sua e compreendo o que diz. :) Apesar das cruzadas, da colonização, do petróleo, das guerras mundiais, de invasões sem fim, e de tantas outras fases e conflitos no tempo, acredito que há apenas desfasamentos infelizes entre quem lidera e muitas vezes decorrentes de contextos políticoeconómicos que só atrapalham. Os povos, para além das diferenças geoculturais, enquanto seres humanos, são brutalmente parecidos nas motivações e angústias... Não é a essência que os torna diferentes mas as conjunturas... E não acredito em civilizações superiores, que horror. Percebe o que quero dizer? Como nunca se diz tudo aqui, talvez pessoalmente chegássemos mesmo a acordo:)
Ooops, esqueci-me:
ResponderEliminarKruzes - fico à espera de o ler sobre isto também:)
jrd - bom fim de semana, pois claro! :)
Sempre que surge algo no Ocidente(um livro, um filme, etc) relacionado com a religião muçulmana, surgem logo reações extremistas e de incitamento à guerra. Qualquer manifestação artística ou de opinião é tida como insultuosa! Os fanáticos religiosos, neste caso da religião muçulmana, parecem ainda viver nos tempos sombrios da Idade Média. Ainda não compreendem o direito à liberdade de expressão nem o exercício da tolerância e da aceitação de opiniões e valores diferentes. Ainda têm muito que evoluir... Em relação à eterna quezília israelo-palestiniana, uma amiga oriunda do território afirma que a base desta guerra assenta em divergências políticas e não religiosas. Nem mais, nem menos. Marla
ResponderEliminarNão tenho dúvidas que a base de tudo é política - o anti-americanismo e a questão israelo-árabe. Quanto aos extremistas religiosos, são medievais, loucos, mas não traduzem todas as pessoas de confissão muçulmana. Como sabes conheço muitas ...:) Só é pena que os media também não mostrem essas pessoas. Ainda de tarde, estivemos aqui em casa a ver a tv tunisina e o debate sobre o filme. De um lado, o radical e do outros inúmeros que não têm nada a ver com isso e que condenam veementemente o que se passou.
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