janeiro 21, 2014

O romance do amor


Quando andava na universidade o meu professor preferido, que só encontrei no terceiro ano, sorriu enquanto confirmava "So you´ve read Lady Chatterley´s Lover?". Imagino que deva ter achado graça porque o romance só foi impresso e lido na integra nos anos 60 em Inglaterra e deu que falar ainda assim. É uma história controversa, que chocou a sua época, sobre a relação física que passa a amor entre uma jovem aristocrata e um dos seus empregados. Do marido, mais propriamente. Este último está paralisado da cintura para baixo, consequência da guerra, e a esposa irá (re)descobrir o amor sensual com alguém claramente abaixo do seu estatuto. 
Eu li o livro no original, a tal "unexpurgated version of 1928", numa versão pocket book, e achei muito difíceis as passagens em que Mellors usa o dialeto. Connie não gostava e eu muito menos, porque me trouxe dificuldades acrescidas. Ainda mais, na altura, sabia menos inglês. A linguagem tinha de causar sururu, estava-se em 1928 quando foi publicado pela primeira vez em Itália e havia palavras que certamente não haviam sido impressas nunca anteriormente. Não num romance desta natureza, ao alcance de todos. Mas muito mais do que o impacto das passagens ou cenas de sexo ou do escândalo que sempre representa o adultério, a obra marca por uma singularidade feminina: a necessidade de atenção, mimo, carícias, afeto, toque, ternura. Tanto que a componente meramente química e sexual do início da relação é ultrapassada pelo amor crescente que a protagonista vai sentindo. 
Eu vi a adaptação deste romance (novel) à televisão tendo como protagonistas os britânicos Joely Richardson e Sean Bean. E claramente acho que o livro ganhou com essa projeção no écrã (apesar do final diferir do do livro). A interpretação do ator, ao vivo e a cores, deu muito mais ímpeto à personagem masculina, por exemplo. De  especulativo porque apenas na imaginação, passamos a um cenário com sonora emoção e movimento. Mas aquilo de que lembro é da cena em que Connie está num pequeno barco com o marido. Ele fala de política ou de filosofia, é a tal memória incompleta de que padeço, e ela está entediada. Até que confessa que está farta do virtuosismo intelectual, se não falho também as palavras usadas. Ele espanta-se e pergunta se é preferível o animal. Ora bem, não é que ela - e qualquer mulher - viva exclusivamente para a carne, de todo, do amor carnal pode nascer uma ligação espiritual gigantesca. Pode, resumindo, nascer o amor. E a mulher, que os homens se lembrem disso, raramente passa sem ele. E sobretudo sem todo o romance (e não novel, aqui) que ele acaba por trazer consigo.


O link para a série fica aqui.

7 comentários:

  1. O filme, embora muito longo, também se vê com bastante agrado. :)

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  2. Gostei especialmente do teu recado final para os machos homo sapiens sapiens :) :) Andreia Silva

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    1. :) :) Um pequeno "reminder", na verdade.
      Lembrei-me de uma história real de alguém que conheci. Tinha uma atividade à partida nobre, em que fazia tudo pelos outros, cheio de ideais, um dia soube que a mulher se fartou. Ninguém quer estar casado com uma ideia ou uma multidão. Emoção e exclusividade é um desejo muito feminino :) :)

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  3. Este romance, "Madame Flaubert" e "Anna Karenina" devem ser dos mais escandalosos de sempre, mas provam que o coração pode-nos surpreender e muito. O ideal, a combinação de amor espiritual e carnal, é bem difícil de alcançar... Marla

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    1. Não acho que sejam impossíveis.
      P.S. E gosto destes romances todos. :)

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  4. Também não disse que eram impossíveis, apenas considero essa combinação, por vezes, bastante difícil. Sim, são belos romances! :)

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