Estamos, os professores, a viver semanas infernais nas escolas, com o aproximar do final do segundo período e as avaliações finais do mesmo. Reuniões, papeladas, grelhas excel, correções de testes e trabalhos, atividades de animação escolar, aulas e preparação das mesmas, tudo envolto no mais perfeito rigor, seriedade, competência, boa vontade, criatividade, enfim, aquilo que faz os nossos dias e boa parte das nossas noites. E exigem-nos alunos com bons resultados, ou pelo menos positivos, que vamos tentando e conseguindo graças a um espantoso uso de malabarismos vários. O leitor fora deste cenário pensará que mais não fazemos que a nossa obrigação. Sim, há uma parte que sim, haverá outra que levaria horas a debater. Mas o centro de recursos de habilidades que vamos construindo esbarra num pequeno, pequeníssimo pormenor - a postura dos alunos face às aulas, à escola, ao ensino/aprendizagem. E também a postura dos seus pais e mães, que, sendo muitas vezes os primeiros a apontar a espingarda contra a classe, ajuda, espante-se, a este estado de coisas - a total desresponsabilização dos discentes no sucesso educativo e nas metas exigidas pelo ministério, pelos papistas maiores do que o papa (a propósito, já há fumo? - as grelhas excel e o resto não me deixam ver mais nada, é a ignorância completa), pelos obcecados dos rankings, pelos guardiões do umbigo das suas gestões, pelos propagadores do sucesso à força.
Vem isto tudo a propósito por causa do incrível concerto do miúdo, marcado para uma não menos incrível terça feira à noite. O que se vê na televisão quando se tem uns minutitos à mesa ao jantar que nos permitem entrever um bocadinho do que por aí vai? Uma multidão de garotada acampada desde há dois dias à porta do local do incrível evento e a embevecida e compreensiva colaboração das suas incríveis mães. Nada tenho contra o fenómeno de idolatria nesta faixa etária (já não digo o mesmo da idolatria em idade adulta), eu própria tive os meus ídolos pop da altura e lembro-me de ter o quarto cheio de posters deles (e de alguns atores - inclusivamente os clássicos dos anos 50 e 60 - porque, sim, o gosto pelo cinema nasceu cedo). Mas não me lembro de assistir a um concerto quase a meio da semana e, pior, levada pela minha mãe. Pior porque, e agora sim, cá está, porque aquela miudagem toda faltou às aulas, pelos vistos dois dias (segunda e terça), dois dias numa semana de avaliações (e mesmo que não fosse) e as mães sabem, aceitam, colaboram, transportam- nos, sorriem. E provavelmente justificam na escola. E na justificação, dirão a verdade ou alguma mentira? Justificação - viagem a Lisboa para/concerto de Justin Bieber ou gripe? Eu, que vivo a quase 300 km de Lisboa, também gostava de ir mais vezes à capital e ver espetáculos a que aqui não tenho acesso, e que ocorrem durante a semana, mas não penso que ninguém me aceitasse a justificação. A da deslocação, nomeadamente. Ou até a da ressaca, depois de uma noite mal dormida a regressar a casa.
E assim vai o ensino. Uma euforia enorme por faltar às aulas (todos nós o fizemos ocasionalmente, mas ocultávamos tal facto dos nossos pais e como os temíamos quando descobriam). Uma euforia natural da garotada - naturalmente - e uma complacência dos progenitores (afinal os pais também devem ter concordado) que não devia ser natural. Ai as metas, meus senhores, as metas. Não deviam ser só os professores a trabalhar para elas, ou deviam? É que não se fazem omeletes sem ovos. Por falar em ovos, apetece atirar uns. E não propriamente ao artista canadiano.
Vim comentar antes de te responder no meu estaminé... :)
ResponderEliminarO meu post é pequeno, não vai tão longe. Percebo perfeitamente, e concordo com o que dizes, claro. Obviamente que há coisas que deveriam ser resguardadas, e faltar às aulas não é de todo boa política. Só fiz questão de frisar que a adolescência tem um quê de mágico que se deve aproveitar porque é único. Também o vivi, e não me esqueci. E os ídolos são parte integrante. Beijinho Fátima.
Obviamente que estamos de acordo, Carla, numa coisa e outra. Belos tempos. :) E faltar às aulas não é nada que não tenhamos feito, ocasionalmente, mas não com a conivência (provavelmente mentirosa depois) dos encarregados de educação. Sobretudo quando se encarregam depois eles próprios de tudo exigir dos docentes - e não vou dizer o quê, levaria horas. :) Beijocas
EliminarFátima, eu percebo o seu desespero e juro que não é minha intenção pôr mais achas nessa fogueira, mas estou à vontade para falar dos professores, porque quando digo que eles isto e aquilo, não me estou a colocar de fora, porque como sabe também sou professora, para o bem e para o mal. Leio o seu post e percebo o que quer dizer. Os pais são hoje demasiado permissivos e não apenas por justificarem faltas de meninos que vão a concertos, ou a castings, mas por fazerem os trabalhos dos filhos, por contratarem advogados para os defender de sanções disciplinares dadas pela escola, por se demitirem dos seus papéis de educadores e por tantas outras coisas.
ResponderEliminarMas nós, os professores, também temos imensa culpa da postura que têm face à escola, porque temos tendência para facilitar tudo e acabamos por ser também excessivamente permissivos.Em muita coisa. E gastamos muito tempo e energia, com grelhas excel e outras porcarias que nos tentam impor e que nós acabamos por aceitar sem nos questionarmos nem reclamar,mesmo sabendo que isso contribui pouco para o ensino e a aprendizagem serem melhores.
Bom, mas dito isto, mando-lhe um beijinho de professora para professora, porque ainda que não esteja a passar por isso neste momento, sei bem como é o final de um segundo período.
(E deixe as miúdas sonharem com o Bieber, que é um instante enquanto lhes passa. Brincadeirinha.. ;)
Há coisas aqui no seu comentário das quais discordo, vou ser mais breve (o tempo não estica ultimamente) :) - não me vergasto de forma nenhuma como professora, nem me considero tão especial que faça uma diferença daquelas. Sou a mesma de turma para turma e relativamente a todos os alunos também e nem todos chegam lá.
EliminarQuanto ao Bieber, let him be. :)
Pois é, concordo com tudo o que dizes. É pena que os pais não tenham o mesmo entusiasmo a acompanhá-los numa visita cultural, uma ida a um museu, por exemplo... Na verdade, acho que todas as teorias que têm estado na moda em termos de educação partem de um princípio errado: o de que todas as crianças estão ávidas de aprender. Não é verdade, muitos não querem mesmo saber!... Eu chamo-lhe anorexia intelectual!
ResponderEliminarA propósito, onde está a crise? Ali no concerto não estava com certeza, não parecia haver carências de espécie nenhuma...
bjs
Concordo em absoluto, Teresa, nessa da moda atual em que são os professores os responsáveis únicos pela aprendizagem. Afinal, estão a dar-nos muita importância LOL
EliminarTive que refletir pessoalmente sobre este assunto e para mim não há dúvida, não se falta a aulas para ir ver um concerto, como não se falta ao trabalho. É uma questão de responsabilidade. Beijinhos.
ResponderEliminarOs putos são os menos culpados. O melhor são os planos de recuperação de assiduidade- por causa de coisas como esta. Que só quem está dentro sabe o que significam. :)
EliminarRealmente... as aulas são um mero pormenor na vida desta maltinha!!!! E ainda há quem se surpreenda com o estado em que está mergulhada a nossa sociedade... Palavras para quê? Disseste tudo amiga... Lília
ResponderEliminarOs planos de recuperação de assiduidade, amiga, os planos... e o resto que disso decorre. ;)
EliminarSe existe uma crise de valores instalada nas novas gerações hoje em dia, esta reside no mau exemplo que recebem dos adultos, que vai desde a excessiva permissividade à falta de princípios, de seriedade e responsabilidade... Marla
ResponderEliminarÉ tão mais fácil pedir aos professores que façam tudo...
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