janeiro 03, 2013

Ainda não se vive duas vezes

Estive em modo natal - compras, consoada, prendas, família, amigos, jantares, convívios, passagem de ano, festejos, com uma incursão literária de um amigo pelo meio - e agora, para mal dos meus pecados, estou em modo enxaqueca. Desliguei totalmente de notícias e país, crise e mundo. Não sinto qualquer entusiasmo por ser ano novo - nunca o senti, de resto - nem receio especial, já agora. Os receios e os entusiasmos são os de sempre, sem data marcada. Mas dizia que nada sei sobre o que vai por aí. Parece-me que o governo ainda é o mesmo, que o presidente disse o que já deveria ter dito e que melhorias económicas a curto prazo, pelo menos, nem vê-las. Por outro lado não li nem me interessei em ler balanços nem prognósticos. Um dia cada dia e espero aguentar-me, espero que nos aguentemos. Quando se tem problemas de saúde crónicos há coisas que passam para segundo plano, há um relativizar de muita coisa porque o principal é conseguir estar-se bem. Penso que é assim, mal ou bem, a energia da indignação e da luta tem de ser canalizada para o bem-estar físico e, consequentemente, psicológico. Ainda assim, as histórias que ouço chegarem da Índia abanam inevitavelmente as estruturas mais resignadas ou letárgicas destes dias. Os crimes sexuais desta ou doutra natureza existiram desde sempre e pelos vistos não abrandam em tempos supostamente mais modernos e mais humanos. A consciência moderna da humanidade, que leva séculos de construção, desvanece-se brutalmente sob as garras de cabeças anacrónicas associadas a comportamentos animalescos. A selvajaria e a barbárie continuam a existir e a perpetrar-se, abrigadas ou não sob mantos ideológicos ou culturais. Quando o estão, é o choque e revolta perante sociedades medievalescas, quando não o estão, é o choque perante pulsões demasiado primárias e primitivas isentas de racionalidade e respeito pela dignidade humana. Em ambas as situações, o repúdio, o horror, a indignação mais profunda e a exigência de não haver impunidade.  Porque, tal como na doença, é da salvaguarda da vida que se trata. 

4 comentários:

  1. Mas morre-se muitas mais...

    :(

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    1. Sim, morre-se muitas vezes por dentro. O que, em muitos casos, não será (muito) melhor...

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  2. Estes crimes que ocorreram recentemente na Índia chamaram a atenção para uma realidade gravíssima: a existência de uma cultura de violação neste país (e noutros também). Estas jovens inocentes, vítimas de seres primitivos e bárbaros, não morrerão em vão se a justiça indiana sofrer profundas alterações no sentido de punir os responsáveis e tornar a sua pena exemplar. Mas é, sobretudo, fundamental uma mudança de mentalidade e uma aposta na educação e na divulgação da importância do respeito pela mulher e pelos direitos humanos. Marla

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    1. Horrorizada, Marla, foi assim que fiquei com pormenores deste crime hediondo. Inconcebível, quer fruto de esquemas metais coletivos quer de ações individuais.

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