agosto 02, 2012

Os amores impossíveis

    
Não, não vou falar nem de mim nem de ti nem de ninguém cuja(s) história(s) tenha(m) ou não tido contornos de impossibilidade romântica. Não vou falar sequer do que nos rodeia, do real. Vou falar da tela. E na tela, realmente, aquilo que me fez ficar sempre com um nó esquisito na garganta não foram os dramas familiares a puxar ao sentimento mais fácil nem os melodramas óbvios com histórias a acabarem bem. Realmente, não. O que sempre me arrebatou foram as longa-metragens, geralmente biográficas, em que há invariavelmente um final que nos dilacera, que nos faz doer, que nos põe a dizer não pode, não pode. Mas estes impossíveis romances hão de ter um traço em comum, hão de ser vividos em grandes espaços ou estarão a rebentar de exotismo ou ainda a fazer-nos entrar numa outra época. Quase e quase sempre. Estarão fora, longe, longérrimo de casa. Terá de haver quase e quase sempre uma viagem...

1. O comboio a largar vapor. O caminho de ferro na paisagem aberta. A música de john barry. E o diário de quentes memórias a ser folheado. "I had a farm in Africa.... I had a farm in Africa at the foot of the Ngong Hills..." Não me canso jamais deste filme. Sei diálogos de cor, os cenários e as personagens fazem parte do meu imaginário romântico, impossível resistir. Sobretudo, e curiosamente, a personagem de meryl streep. A dinamarquesa que interpreta marcou-me pela coragem, pela força, pelos sentimentos fortes, pela ação, pela emoção. A história de amor que viveu com o aventureiro inglês foi interrompida pela sua óbvia possessividade e necessidade de exclusividade mas também pela clara incapacidade do companheiro de assumir compromissos. Foi também interrompida pela morte. Em Tsavo, uma avioneta despenha-se para nos fazer chorar. E, depois do fogo, interrompe-se também a história de amor com África. Há que voltar a uma Dinamarca fria, sem riscos, sem poder ter "a glimpse of the world through god´s eyes" ou seja sem viver no limite e no perigo e na incerteza. E quando os leões acasalam na sepultura do amante, pelo final da tarde, e quando os cânticos africanos femininos são entoados ("will Africa know a song of me?") e quando tudo acaba é triste, triste, triste mas tão estranhamente belo, tão belo.

2. É a barca. É a barca do Mékong. Assim se pode ler nas primeiras páginas do livro de marguerite duras. Mas no écrã a sedução não é menor. Uma mulher em Paris recebe um telefonema do Oriente. Um homem diz-lhe que sempre a amou que nunca a deixou de amar e que a amará sempre. Parece piegas, conversa fácil. Mas não é. E não é porque a mulher nos transporta depois para uma história de amor entre uma adolescente francesa e um homem chinês a que é impossível ficar indiferente. Para além do ambiente intenso que inconfundivelmente carateriza o Extremo Oriente e da estranha intensidade da sua relação, o filme aflora também algumas diferenças culturais entre as personagens. Culturais e sociais. A sua história de amor é interrompida pelas imposições da sociedade na qual se inserem. Ele, adulto, não tem força suficiente para traçar o seu próprio destino. Ela, adolescente, não tem maturidade suficiente para discernir sobre os seus sentimentos. Ou melhor, sobre o sentimento. A história é também interrompida pela distância. O período colonialista chega ao fim, os franceses saem da Indochina e a "criança" volta, num navio, para longe da intensidade. Lembro-me bem dos rostos e das cores quentes e do carro no cais. Novamente, quando tudo acaba, é triste. Mas, novamente, é muitíssimo belo.

3. A charrete. A charrete apressada e o toque das mãos também apressado. A paixão que não irá ser consumada. A história de newland e de helen, numa idade de inocência. O pano de fundo, a sociedade nova-iorquina do século dezanove. Trata-se aqui, e sobretudo, de um incrível ensaio sobre a renúncia. É também uma história em que uma mulher de alta sensibilidade (que fantástica está a michelle pfeiffer aqui), vinda de uma cosmopolita Europa, quase que revoluciona o ritualizado status quo implantado. E é maravilhoso e paradoxal ver que só não o faz pura e simplesmente por amor. De personagem com laivos feministas a heroína romântica, renunciando ao amor para não magoar quem ama - amado, família. Contudo, a sua história é também interrompida pela incapacidade de agir revelada por newland, que, preso a esquemas culturais, não consegue libertar-se a tempo. Acaba, assim, por continuar com uma vida de representação, encenação, no papel de mero contemplador. Simples esteta. Afinal uma ópera começa o filme... Como desejamos que ele tivesse agido. Em Paris, para onde ela voltou, quero empurrá-lo apartamento acima, desejo tanto um final feliz, mas não, a mesma sensação de tristeza e, mais uma vez, a constatação que algo muito belo acabou. O pano cai, no escuro do cinema, as "yellow roses" deixaram de nos trazer luz...

De volta à vida real, não queremos nós viver coisas tão intensamente impossíveis. Queremos ser felizes, seja lá o que isso quer dizer, mas queremos tornar as coisas possíveis. É bom que o consigamos, é muito bom. Mas, e de qualquer maneira, viajar por estes amores pode ser uma fascinante incursão ao mundo da mais intempestiva e/ou inquieta e/ou sublime paixão.

3 comentários:

  1. Minha querida Fatinha, tenho de discordar. Antes, mil vezes antes,um fulgurante e impossível intensidade do que a consumação banal ao longo de dias previsíveis.
    O amor, para valer a pena, tem de ser triste e trágico. Os finais felizes são de um tédio mortal. Nos filmes e na vida.

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  2. O fim é sempre infeliz, mesmo quando é "happy".
    :)

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  3. Querida Ivone, concordo em absoluto com o seu belíssimo comentário - e absolutamente certo:) Aliás, a frase final do texto refere-se à ficção e ao fulgor destes amores no grande écrã. Não sei é se queremos tanta intensidade e tragédia na vida real... o preço é alto:) Embora tenha total razão no que diz. Adorei que tivesse por cá passado.

    jrd, refere-se ao fim da sedução na tela?:) Ah, pois é!

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