agosto 26, 2014

Em terra de cegos quem tem um olho é mesmo rei?


Aqui há dias reli com muito agrado uma short story de H.G.Wells chamada The Country of the Blind e que, surpreendentemente, dormitava no meu baú do esquecimento. Estamos perante um fabuloso conto que nos faz pensar sobre o que, na prática, é o domínio e a superioridade. Porque esta história, apesar de nos relembrar a noção de inadaptado, baseia-se essencialmente na descoberta de que capacidades que julgamos preponderantes não servem absolutamente para nada se as tentarmos encaixar e sobressair num mundo que não as partilha, que desenvolveu outras igualmente importantes e que se apresentam funcionais no modus vivendi que foi instalado.
Nunez, o personagem principal, cai (literalmente...) num mundo quase onírico onde ninguém tem a capacidade da visão. Ele lembra-se de imediato da máxima universal "em terra de cegos quem tem um olho é rei". Assim, pensa que facilmente poderá ser o líder daquela comunidade, por possuir faculdades inigualáveis que o tornam mais poderoso do que os outros. A história é fantástica, no duplo sentido da palavra. À medida que vai descrevendo as maravilhas que vê, apercebe-se que tais deslumbradas descrições em nada seduzem os habitantes do local na medida em que estão habituados a viver sem essas sensações visuais e desenvolveram outras com as quais parecem viver eficaz e tranquilamente. De facto, reduzem-nas a nada. Mesmo para a rapariga nativa por quem se apaixona, que escuta as narrativas das maravilhas naturais por amor, de nada serve esta extraordinária faculdade da visão. O hábito é outro e o protagonista vai-se apercebendo, com tristeza e desapontamento, que não só não poderá ser líder como nem sequer valorizam a capacidade que julgou superior. Pelo contrário, de líder passa a servo. No final, tem de escolher entre o amor e a visão - só poderá casar com Medina-saroté se abdicar da visão...
A incursão por este mundo fictício, na América do Sul e repleto de evocações que diria exóticas, é um espantoso convite à reflexão sobre o que é ter uma "deficiência". Ele - Nunez - não tinha um mas dois olhos e, no entanto, não conseguiu nunca reinar. 

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