junho 04, 2013

As linhas de combate


A crise tem contornos perigosos e, por vezes, pouco notados. Neste momento, considera-se feliz quem tem trabalho. Por razões óbvias. Mas isso também não significa que tudo vá bem no reino do emprego. Pode continuar a haver situações de grande injustiça salarial, de más condições físicas de trabalho, de prepotência empregadora, de pouca ou nenhuma dignidade, até de escravatura laboral. Daí que não é por se ter trabalho nesta altura que se podem fechar na gaveta reivindicações justas, lutas por melhores condições a vários níveis e recusa e até revolta relativamente a medidas que afetem os trabalhadores, de vária ordem umas e outros. Por se ter emprego, que é obviamente fundamental para a sobrevivência, subsistência e vida individual, familiar e coletiva, não se pode aceitar tudo o que é feito e que signifique retrocesso nos direitos, abuso de poder ou outros aspetos que vão de encontro à justiça, à legalidade, à qualidade e também ao respeito por quem trabalha.
Amiúde se ouve "ao menos tens trabalho, não te queixes que ainda há pior, então e os que perderam o emprego". Certo, certíssimo, não estamos em situação comparável, não podemos naturalmente queixarmo-nos de barriga cheia, muito menos sermos insensíveis para com situações que já roçam o desespero. Mas que tal facto, dramático, não seja impeditivo, por um outro lado, de continuarmos a almejar melhorias nos nossos empregos ou profissões se as condições são duras e indignas, se se deterioraram ou teimam em estagnar. O sacríficio é necessário e louvável, em muitas e determinadas circunstâncias, já o conformismo é inimigo do avanço. E também não é nivelando por baixo, em nenhuma área da sociedade, que se conquistam progressos em várias vertentes. Olhar para quem está pior pode tornar-nos menos ambiciosos e mais humanos mas que não nos torne também menos reivindicativos e mais passivos.
O desemprego é uma brutal e dolorosa realidade mas, por esse mundo fora, acredito que muitos trabalhos também. Não se pode baixar os braços na luta contra um e contra os outros. Era menos mau que o problema fosse apenas um, mas não. São dois, muitas vezes. E nós temos que estar em ambas as linhas de combate.

4 comentários:

  1. "Olhar para quem está pior pode tornar-nos menos ambiciosos e mais humanos mas que não nos torne também menos reivindicativos e mais passivos."

    Só por esta frase já teria valido a pena ler o artigo, mas todo o artigo é um convite à reflexão.

    Parabéns.

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    1. Obrigada, Tri. :)
      Penso que são tempos perigosos também para quem tem emprego. Dá-me a ideia que é quase pecado reclamar de algo só porque ainda temos trabalho. Ora isto pode levar a um impor e um aceitar de coisas que podem ser completamente erradas, estúpidas ou prepotentes e que nós, por medo ou solidariedade, não as denunciemos ou contestemos. Medo de perder o emprego e solidariedade face a quem não tem.

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  2. Bem dito! O desemprego é uma realidade muito inquietante que priva cada vez mais pessoas de uma vida minimamente digna. No entanto, quem tem um emprego enfrenta também tempos duríssimos. Creio que a crise e o despedimento crescente por parte de instituições públicas e privadas criam as condições perfeitas para que qualquer patrão se torne abusivo e ponha em causa os direitos e regalias dos trabalhadores. À mínima queixa, os funcionários podem ser ameaçados com um comentário do género: "Há muitos que gostariam de ocupar o teu lugar!". Nada justo! Porém, os tempos atuais favorecem atitudes menos humanas... Marla

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    1. É... convém não baixar a guarda, em caso de insatisfação com justa causa. Que o espetro do desemprego também não crie passividade em quem ainda o tem...

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