setembro 28, 2014

Atrás de um grande homem


   
 
                   
Ontem ao rever uma boa parte do filme Troia, houve um frase que me ficou na memória, que não fixara da primeira vez que vira o filme, no cinema e já há alguns bons anos. Uma das protagonistas diz ao seu amado: "Não quero um heroi, quero um homem com quem possa envelhecer". Engraçado como Helena de Troia resume o pensamento feminino, acredito que em larga escala e através dos tempos, no que diz respeito ao amor e de certa forma ao casamento ou a algo que se assemelhe.

Na verdade, penso que é preciso muita coragem ou uma consciência social, política ou humanitária muito forte, por parte das mulheres, para aguentarem a ausência dos companheiros por longos períodos de tempo e em que o risco máximo esteja presente. O risco de eles perderem inclusivamente a vida e assim perder-se o amor. E não posso deixar de pensar também como é diferente o mundano chamamento dos homens em relação ao universo dos desejos mais profundos e intrínsecos das mulheres.

Nunca deixei de pensar nisto ao ver biografias sobre homens que ficaram na história e que se tornaram herois para gerações presentes e futuras. Um desses exemplos foi a vida de Che Guevara, um mito à escala mundial, que se perpetua na memória coletiva pelos seus ideais de revolução e liberdade. Mas, sobretudo enquanto via o filme de Steven Sodebergh, não deixava de interrogar-me: o que faz um homem com família, mulher e filhos, quando estava já instalado em Cuba, largar tudo e ir combater como guerrilheiro para a Bolívia, onde aliás perdeu a vida? A nível de abnegação por uma causa é notável, o sacrifício pessoal em prol de um projeto social, de um ideal de justiça. A nível familiar pensei na esposa que deixou para trás, como os homens deixam sempre as mulheres, fortes decerto mas decerto sofrendo, como as deixam na retaguarda, ao sabor de dias receosos, expetantes, sob o signo da ausência.

Da mesma forma, e não querendo de forma alguma estabelecer nenhum paralelo que não seja este, o das mulheres de armas que não pegam em armas, os guerrilheiros medievais do EI fazem exatamente a mesma coisa. Interrogados pela "Vice News", um dizia que tinha deixado a mulher os filhos e que estava ali por uma causa maior, que a causa era maior do que o resto. Não deixa de ser arrepiante, quando sabemos que a causa significa o terror e o anacronismo, mas o enfoque nesta questão serve o mesmo propósito deste post. E continua a ser algo que causa arrepios, se fundamentalmente do ponto de vista romântico e amoroso.

A coragem em os deixar partir é muita. Ou provavelmente nem se trata disso, são opções do mundo masculino que se regem frequentemente por motivações muito diferentes das do feminino. Eles querem partir, devem partir, o mundo chama-os, o ideal, certo ou errado, nem isso importa aqui, vão-se às as armas e à luta,  alguns voltam, outros não. De qualquer das formas trata-se de uma grande e decerto dolorosa prova para a mulher. Sobretudo se quis um companheiro para dividir as cores dos dias, se o seu coração é mais poderoso do que a cabeça, se não compreende os desígnios do destino e dos homens quando comparados com a alquimia do amor.

Atrevo-me a dizer que a grande maioria de nós, mulheres, não quer herois, à semelhança de Helena de Troia, mas apenas afeto e companhia, isto se falarmos numa base quotidiana e sem sonhar com grandes filmes. Se há delas que estoicamente resistem à saudade e à ausência e conseguem esperar, pelo regresso ou pela criação de uma lenda, outras há que sustentam o histórico longe da vista longe do coração. Admiro as primeiras mas não condeno as segundas. Poucas relações, creio, resistem eternamente às causas, ao apelo do mundo, ao sacrifício em nome do coletivo e em detrimento do estritamente pessoal.
 
O amor é pessoal, pessoalíssimo, e a construção de uma família também. Por muito que admiremos os herois do passado e do presente, não percamos a noção das suas bravas - infelizes? - mulheres na retaguarda. Honremos as que resistem e compreendamos as que sucumbem e anseiam por mais paixão a alimentar-lhes as horas. A esposa de Heitor, viúva, ganhou o estatuto de heroina mas, no filme, é Helena que envelhecerá como e com quem quer.

1 comentário:

  1. Desconhecia o facto do Che ter família. Pode parecer estranho uma pessoa colocar a família em segundo plano, mas foi isso mesmo que ele fez pois tinha princípios e ideais e também uma vontade inabalável de os seguir, mesmo que isso lhe custasse (e custou) a morte.
    Marla

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