março 17, 2014

Normal e diferente



Não é frase de filósofo como deveria ser mas apenas de uma atriz portuguesa e dei de caras com ela há já algumas semanas. Dizia a mesma que enquanto a maior parte das pessoas - e dos artistas - tenta cultivar o lado freak, ela sempre desejou ser o mais normal possível. Não pude deixar de sentir uma grande empatia com esta confissão, a levantar a questão do que serão os contornos da normalidade. Já aqui escrevi, pelo menos uma vez, que a ousadia e a transgressão podem ser reveladas de variadas e diferentes maneiras e que, desta forma, não se esgotam nem em looks assumidamente atrevidos nem em comportamentos propositadamente provocantes. Na verdade, sob uma aparência normal, serena e até consensualmente clean, pode existir uma existência perfeitamente inconformada e livre. E do mesmo modo, comportamentos modernos e sociais de desafio às regras podem não ser mais do que o duelo que se quer bater com uma natureza apagada e sem chama. O freak pode ser exterior mas é-o ainda mais se for interior. A diferença não se reduz ao choque, à extravagância, à linguagem, às poses e atitudes que são intencionalmente escolhidas para fazer a diferença. A diferença, por vezes, está lá ainda que não se dê por ela ao princípio. Do género alguém nos perguntar porque é que nunca dizemos um palavrão maior e de nos julgarem certinhos por causa disso. Do género nós respondermos pois mas não usamos aliança, não casámos pela igreja nem fizemos festa, não temos cão nem uma carrinha tipo familiar que ruma ao al-gharb todos os anos. Coisas a que já assisti, divertida. Ou do género todos gostarem de um verde que não existe e nós gostarmos de um verde às bolinhas. Coisas simples, mesmo simples, nada avant-garde, que indicam ou podem indicar escolhas e trajetos menos comuns, porque incomum pode ser a nossa alma ainda que a nossa imagem ou comportamento não. Querer ser normal é para quem quer, e já agora para quem sabe e pode. Porque de normal pouco, felizmente, terá. 

4 comentários:

  1. Obrigada, João, pela leitura e pela passagem.

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  2. Muito interessante! Não é fácil optar por caminhos menos comuns, quando a sociedade nos apresenta trajetórias pré-definidas. Cada um tem de procurar o que faz sentido para si e o que o faz feliz... Marla

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    1. Nada fácil, sobretudo se por fora se é perfeitamente banal. :)

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