dezembro 27, 2013

Dever ou não dever - eis a desmotivação


Em conversa sobre tudo e sobre nada com uma amiga e colega neste natal, descubro uma coisa espantosa. Mas já lá vamos. 
A avaliação de desempenho docente é uma farsa, isso já sabemos. Nós, que a sabemos por dentro. Foi feita em moldes duvidosos, com critérios duvidosos, com intenções duvidosas. Ainda assim existe e se existe quem é professor tem o direito de trabalhar - ou não - para obter a classificação que pretende, independentemente das suas motivações. Um facto, a sua existência, seja boa ou má, útil ou não útil, justa ou não justa.
Chegados a este ponto, o que me espanta? Saber que foi dito pela avaliadora da minha amiga e colega (que discordou da avaliação e que o manifestou livremente)  que não se deve trabalhar para obter uma nota, ou em função da classificação, algo deste género. Rebobino, aqui. Não se deve trabalhar desta forma? E qual a razão pela qual não se pode, já agora? Digo eu a um aluno: vá, não deves trabalhar para uma nota? Não pode? Não deve? É moralmente errado? (É verdade que os alunos motivados e com ambições são criticados.) Pessoalmente não aprecio a competição feroz ou doentia mas considero natural o desafio, a superação de metas interiores, a satisfação de sabermos que conseguimos. A ser esse o desejo, a forma de estar, o objetivo do momento, seja o que for. Se algumas coisas destas servem como motivação para melhorar a performance e obter mais satisfação, pessoal, profissional, não consigo ver onde está a imoralidade. Mas consigo ver que uma lição de moralidade destas não pode ter lugar. A avaliação é para ser feita, objetivamente, sem leituras ou acrescentos pessoais perfeitamente dispensáveis e desmoralizantes.
Desde que não se atropele ninguém, que se respeite os outros, que se trabalhe de forma digna e honesta, não vejo qualquer problema em pedir aulas assistidas para obter a nota máxima. Que vale o que vale, pode mudar e muda de ano para ano, de escola para escola, de avaliador para avaliador, porque há sempre uma dose de subjetividade nos critérios, no interpretar dos mesmos e na sua adaptação aos ciclos avaliativos. Mas cada um é livre de escolher a motivação que ainda o faz trabalhar melhor. Até estupidamente, é possível. Já que tudo está contra nós, sociedade em geral, políticas educativas, congelamentos, salários diminuídos, só faltava esta: a de colegas que se tornaram nossos avaliadores dizerem-nos que não devemos trabalhar com metas pessoais. A minha amiga e colega de missionária nada tem (eu igual, é um direito que nos assiste).
Isto - a inverdade, a falsa abnegação, o tabu - provoca-me alergia. Só mesmo neste país pequenino se retira esta conclusão tão pobre: a avaliação - neste caso, a docente - não é uma forma potenciadora para a melhoria da performance (com o que de positivo isso acarreta) mas sim, pelos vistos e apenas, uma forma para tramar o outro. Triste sina, a nossa, portuguesa, que cultiva a missão e a mediocridade. Não admira estarmos onde (não) estamos. 

6 comentários:

  1. Enquanto profissional, fui sujeito a avaliações e, sobretudo, tive de avaliar muitas vezes.
    Não acreditava muito nos meus avaliadores e, acerca dos que por mim foram avaliados, fiquei sempre com dúvidas sobre a minha real capacidade para levar a cabo uma tarefa para a qual não estava manifestamente vocacionado.
    Bom fim-de-semana
    Abraço

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    1. Fui avaliada, jrd, e também avaliei (professores). Não me foi difícil avaliar, mas mesmo se fosse não diria a um profissional adulto (como não digo a um aluno, não tenho esse direito) a forma sob a qual "deve trabalhar", criticando-o moralmente por expressar uma meta. Isso é completamente desmotivador. É mesmo de quem não tem vocação para avaliar, é a minha opinião. Obrigada, o mesmo para aí:)

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  2. Continuamos desgovernados
    por uma hierarquia incompetente

    Tudo pelo melhor

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    1. Também vejo isto assim. Incompetências transversais, mas disfarçadas de moralismos e boas intenções. Obrigada, Eufrázio. Para si, aí a sul também, também. :)

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  3. Fiz copy/paste desta parte do texto porque me parece que o caminho é mesmo por aí:
    "Desde que não se atropele ninguém, que se respeite os outros, que se trabalhe de forma digna e honesta"

    Um bom fim-de-semana, Fátima :)

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    1. Claro. A honestidade é sempre transparente, até nas ambições que se assume ter. Também para si, maria. :)

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