abril 17, 2013

O ator é um fingidor


Cada vez admiro mais as artes da representação. E se sempre fui fã de cinema não deixo de o ser de teatro. O tipo de teatro de que gosto sei eu mas não é disso que falo hoje aqui.  Porque independentemente do conteúdo e da forma em palco, é o talento de quem representa que me colhe os maiores aplausos. O despojamento de um eu e uma outra pele que se cola a quem ousa estar em cena é das coisas mais difíceis de fazer no mundo do espetáculo ou da arte. Interpretar uma canção, tocar um instrumento, pintar, esculpir, escrever, requerem talento, sim, mas não se abandona os tiques, as manias, as obsessões, a personalidade. Cria-se e ousa-se, é certo, mas na redoma daquilo que somos e apenas mais descobertos e expostos do que o normal. Ao invés, representar, e representar em teatro, é o abandono total daquilo que é o nosso caráter, é o mergulho numa dimensão que não é nossa e é feito tudo ali, em cru, em bruto, sem qualquer espécie de rede, perante olhos anónimos que estão focados em quem está debaixo do holofote, que esperam, curiosos, histórias e desempenhos para aplaudir ou criticar. A linguagem teatral é dura, despojada, uma espécie de solidão entre quem representa e uma massa na escuridão que pode depois apontar o polegar para cima ou para baixo. Há uma absoluta coragem. Não consigo deixar de ver senão coragem na arte representativa. Uma reação imediata lá estará, as palmas, ou o silêncio. Não há mentira no teatro, não há filtragem intermédia, não é depois. É ali, durante, num processo de construção de uma personagem que precisa do público lá, no escuro, mas presente em simultâneo. Uma ousadia, uma ousadia que não pode fugir aos olhares mesmo se estão diluídos pela contraluz. Cada vez gosto mais, cada vez admiro mais quem pisa um palco para fingir ser quem não é. É uma arte de fingir maior. Pois pode chegar-se a fingir até o que, completamente ou não, deveras se sente. O ator é um grande fingidor. E ao entreter a razão e o coração,  traduz, como ninguém, a grande verdade, nua e crua, da arte.

4 comentários:

  1. Um belo texto que é uma merecida homenagem ao Teatro e aos actores que dizem a verdade quando fingem.
    Abraço

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    1. Obrigada, jrd. Tenho a sorte de, por via profissional como professora, veja lá, estar a chegar cada vez mais perto do palco - quer dizer, ver cada vez mais perto de toda essa linguagem e audácia que é fingir o que não se é mas pode ser. :) Adorando, claro, apesar de ser em pequena, pequeníssima, escala.

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  2. A representação é uma grande arte. Nem todos têm, porém, perfil para isso. Já experimentei, achei giro, mas não é bem a minha praia (a Terra é tramada!). Parabéns a quem tem o dom da arte de representar! Marla

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    1. Pois eu gostava de retroceder no tempo e subir ao palco:) Acho que me faltou essa experiência... não sabendo se teria jeito ou não, claro.

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