agosto 10, 2012

Como não escolher o paraíso?

Como não escolher o paraíso? Como não escolher a areia fina, a água transparente? Como não escolher a vegetação luxuriante, as flores em colar? Como não escolher o sol intenso, o calor envolvente? Postos  perante tais perguntas, certamente que pelo éden optaríamos. E assim fizeram, naturalmente, muitos homens a bordo do Bounty.
É preciso recuar algum tempo atrás, situar geograficamente a trajetória do famoso navio de sua majestade. Tudo isso para percebermos as escolhas dos homens que se aventuraram a uma vida incerta em detrimento de uma existência mais convencional. Está-se em 1788/9. O navio HMS Bounty parte de Portsmouth, Inglaterra, rumo aos mares do sul. A tripulação é jovem, na sua maioria homens solteiros habituados a atravessar os oceanos. O capitão é um homem de forte disciplina, consciente dos deveres morais. A missão é a de arranjar fruta-pão para alimentar os escravos nas plantações das Caraíbas. A missão é, afinal, sustentar parte do império britânico. 
Retomando a história: o Bounty parte do sul de Inglaterra rumo ao Taiti, ilha já explorada pelo reconhecido Capitão Cook. Ilha de exóticos contornos, povoada pr coloridos nativos. Depois de uma tentativa de travessia atribulada do Cabo Horn, o navio chega à soalheira Papeetee que inebria de imediato parte da tripulação. As tensões vividas durante a viagem, provocadas pelo excesso de zelo do Capitão, parecem agora dissipar-se. Trocam-se cumprimentos reais, trocam-se prendas. Os homens estão felizes, comem, bebem, dançam, estonteiam-se perante as mulheres de longos cabelos e flores ao peito... No meio da alegria geral, o Capitão, Bligh, de seu nome, não parece sentir tanto entusiasmo. Deseja que grandes quantidades de fruta-pão se possam desenvolver o mais depressa possível para voltar para casa. Enquanto isso, os homens, na sua maioria, e porque a estada se vai alongando,começam seriamente a pensar ficar. Afinal passam dias de felicidade e não têm nada para que possam voltar. Por entre risos e danças de sensuais movimentos, chega a hora de partir. A missão chegara ao fim. Alguns homens estão visivelmente tristes, agarrados às mulheres de pele morena e corpo ondulado, também elas docilmente infelizes. Partem, partem para não mais voltar...
A viagem prossegue, com algumas paragens perigosas em ilhas mais próximas. Alguns homens estão cada vez mais descontentes. Bligh continua implacável com as falhas, infligindo castigos humilhantes e brutais, esmagando com autoritarismo qualquer foco de resistência. E é perante algumas mortes que ocorrem a bordo que um dos oficiais se destaca pela oposição ao comando do navio. Christian, que já assumira posições discordantes anteriormente, torna-se assim na esperança da tripulação para tomar o navio e mudar as condições a bordo. Confuso mas sensível, nitidamente perturbado mas ainda consciente, no inferno mas com coragem, acaba por liderar a mais famosa revolta da história da marinha britânica.
Destituído Bligh, colocado num pequeno barco com alguns homens e mantimentos, Christian toma o comando do navio e, satisfazendo a vontade dos homens e a dele próprio, regressa ao Taiti. Recebidos calorosamente pelas suas mulheres, Christian incluído, concluem que devem abandonar a ilha para não serem nunca apanhados, a sentença de traição ser-lhes-ia obviamente fatal. Com as suas mulheres e alguns homens taitianos, procuram uma ilha onde possam viver, sabendo que nunca poderão regressar a Inglaterra. Instalam-se na ilha de Pitcairn, onde, de resto, têm descendentes até hoje. Quanto a Bligh, conseguiu chegar a Londres, via Timor. Conseguiu, também, a condenação de traição para muitos dos seus homens. Estes acabaram por morrer precocemente em Pitcairn, onde a falta de regras e a de convenções sociais, sem esquecer os ciúmes, acabaram por lhes ser fatal. 
A história do Bounty, real e fascinante, não deixa de ser uma alegoria ao poder. De um lado, os dominadores, do outro, os dominados. A força contra a humanidade, a dureza contra a sensibilidade, o autoritarismo contra a inteligência, personificados pelos dois protagonistas. Mas também, e por contraste, a necessidade de estabelecer normas de comportamento e afins para que não se instale a anarquia. A manutenção de valores para se conseguir formar uma sociedade funcional. De como é de posições antagónicas que uma civilização se constrói. O dominador é forte mas bronco. O dominado, ou melhor, o revoltoso é confuso mas inteligente. Ou que o dominador é bronco mas disciplinado. E que o revoltoso é inteligente mas disperso.
De qualquer forma, e porque excessiva disciplina conduz à falta de sensibilidade e excessiva autoridade conduz à falta de liberdade, não poderemos evitar a pergunta - como não escolher a areia fina, a vegetação luxuriante, o sol intenso? Como não escolher, agora e sempre, o paraíso?


                                        Jornal O Recado, ESAP

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. (Peço desculpa pelo lapso)

    Que bela leitura para um sábado à noite.
    Eu hoje escolhi mesmo o paraíso.
    :)

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  3. E fez muito bem:) Eu cá escolhi esta história real como uma das mais apaixonantes da história... Já vi 3 filmes (embora o último, de 1984 e de Roger Donaldson, seja o mais fiel à verdade) , devorei o livro de Richard Hough, sou fã da música de Vangelis (dá uma dimensão quase etérea a estes destinos), enfim... É a minha história dos mares do sul...
    :)

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  4. Palpita-me que este post prenuncia ida de férias...por isso, faço votos que sejam excelentes.
    Quanto à história do Bounty, gostei de a recordar, porque é magnífica
    Beijinho

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  5. Fátima, obrigada pelo destaque lá em cima. Simpatia sua, é o que é :)

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  6. Carlos, obrigada pelos votos!:) Retribuo o beijinho*


    Ivone, não tem que agradecer, gosto muito de "fazer a ronda"::))

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