julho 12, 2014

O tempo dos escravos


Há gente que trabalha e trabalha sem um queixume e sem qualquer espécie de reivindicação, mesmo quando as condições de trabalho se tornam cada vez mais adversas e injustas. Não sei se lhes admire esta notável capacidade de sacrifício se lhes critique este espírito acomodado que em nada beneficia o avanço nas condições laborais. Esqueçamos a crise, até porque não é disso que se trata. Trata-se de um modo de estar, perfeitamente legítimo, que se traduz por uma incrível resistência e uma frequente ausência de ideias próprias. Estes são os trabalhadores, funcionários mais desejados, aqueles a quem chamo de executantes. São, naturalmente, os preferidos das chefias, dos chefes, daqueles que agradecem este caráter, sempre obediente e conformado. Os que ousam queixar-se, barafustar, recusar ou manifestar uma ideia contrária dão muito trabalho e, por causa desta coragem moral, cansam-se muito mais, curiosa mas obviamente. É muito difícil bater contra muros de resignação e de espíritos formatados e mecânicos. Estamos em época perigosa - porque ainda damos graças a deus por termos emprego (e damos) vamos deixando que nos pisem e nos explorem até mais não, degradando-se os nossos dias de várias formas. E calando-nos, sendo resilientes e cumpridores, mesmo quando não devíamos ser, lá vamos contribuindo para a proliferação de chefias medíocres e de condições no local de emprego também cada vez mais medíocres. Trabalhar é preciso, embora uns trabalhem para viver e outros vivam para trabalhar. É justo, é igualmente legítimo. Agora não nos digam que o trabalho deve ser cumprido a qualquer preço nem que os executantes são melhores do que os outros. Porque se os tornarmos melhores, qualquer dia estamos como na revolução industrial - e estamos, em muitas partes do globo, por necessidade extrema de uns e ganância escravizante de outros. Aqui, o retrocesso vai dando passos seguros, quer fruto do medo - a questão de sobrevivência - quer fruto da resignação missionária que muitos cultivam, quando não havia necessidade para tal. Quem pode, não deve calar. A resistência não deve ser só física, deve ser também, e neste caso, sobretudo moral. Mas também é possível que a obediência cega e muda se possa basear em ambições pessoais que, afinal, nada têm de missão.

2 comentários:

  1. Quando as engrenagens são perversas, há que meter-lhes um pauzinho.

    Abraço

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