março 02, 2016

Outro mundo


Os factos e os afetos mudaram-se para aqui, para O Mundo Que É Meu, ainda em fase quase experimental.

https://omundoqueemeublog.wordpress.com/

Vemo-nos por lá.

setembro 10, 2015

Mais e mais

 
 
1- O MNE da Jordânia falou há dias sobre a crise dos refugiados sírios. Para aqueles que pensam e afirmam sem conhecimento que os países árabes não ajudam (os do Golfo não, é um facto, mas não generalizemos), a Jordânia entra no 5º ano de acolhimento, equivalendo ao 5º ano de guerra na Síria. Lembro que a Jordânia já acolhe os refugiados palestinianos desde há décadas (como o Líbano e a própria Síria; muitos sírios são de origem palestiniana, basta lembrarmo-nos de Yarmouk). E o Egito, também (tem tantos sudaneses, por exemplo). E até a pequena Tunísia ( muitos líbios atravessaram a fronteira).
2 - Os estados ricos do Golfo não estão a ser solidários e há excelentes leituras que podem ser feitas online sobre o assunto, em inglês, é um facto. Inaceitável, claro. Para além de culpas no financiamento do ISIS, pelo menos pela parte de milionários que querem perturbar e abortar as democracias (primaveras?) noutro países de herança árabe ou muçulmana. Relembro por exemplo, que a Al-Jazeera, uma televisão de que gosto, é do Qatar. Parece muito livre e até é, mas apenas em relação ao resto do mundo, mostrando tudo exceto o (muito) negativo nas "santas" sociedades do Golfo.
3- O silêncio dos EUA também é intolerável. Gosto de Obama mas aqui é igual aos outros. Quem arrasou com o Iraque à procura de armas de destruição maciça que não existiam? Inglaterra (e eu sou anglófila), Espanha, igual. A França arrasou com a Líbia e os Charlies agora estão muito calados. (E eu sou a favor da liberdade, e anti-jihad, como não?) Ou então sou eu que também não consigo ler nem saber tudo, pode ser, é verdade.
4- Os defensores súbitos dos sem-abrigo aqui na lusitânia são muitos, quase que chega a ser comovente. Eu nos últimos 3 dias (e faço-o habitualmente) dei uma moeda razoável a pedintes de rua em três cidades diferentes, mas não vi muita gente a fazer o mesmo. Podiam já ter dado mas a questão mantém-se. Eu posso ajudar os refugiados uma vez que me compadeço dos pedintes e contribuo de outras formas para atenuar o sofrimento dos mais fracos, ao longo do ano, não tanto como queria, ou até podia, é provável, mas não sou perfeita. Posso, como dizia, ajudar os refugiados, seguindo a linha de pensamento destes preocupados de última hora. A estes que não querem gastar um centavo com as vitimas da guerra e dos conflitos, pergunto se já fizeram sua boa ação do dia em Portugal. Criticam quem quer acolher refugiados mas a minha sugestão é que não querendo fazer o mesmo, estão no seu direito, possam acolher então um sem-abrigo. É justo e a sociedade agradece e seria bem melhor.
 Por agora, é isto, mas podem vir aí mais. Texto e opinião, I mean.

setembro 04, 2015

Da imagem e da fúria


As pessoas e até os media dividem-se entre partilhar a foto do menino sírio e não o fazer. Respeito a posição de cada um mas desejo tecer algumas considerações sobre isto. Pessoalmente, partilhei-a. E partilhei-a pela simples razão de denunciar uma realidade que, muitas vezes, só nos marca profundamente e nos faz agir quando entra assim, de forma inesperada e violenta, pela casa adentro, seja via televisão, jornais, internet, redes sociais. É muito fácil - ou mais cómodo - saber que os horrores (ainda) estão longe, imaginá-los ou então nem sequer pensar neles e continuar com a nossa vidinha. Que não seja mal interpretada, as nossas vidas contam, as nossas angústias familiares, profissionais, afetivas, económicas e as nossas dores também. Mas não sou daqueles que se recusa a ver imagens de sofrimento alheio apenas porque dói profundamente -, neste caso, também, a nossa angústia e dor não serão nunca maiores do que as deles - assobiando para o lado e tentando esquecer o que não pode ser esquecido mas simplesmente denunciado. Se uma imagem, que sabemos valer mais do que mil palavras, pode fazer alguma diferença, por mais pequena que seja, então serviu para algo de positivo. Por outro lado, também noto algum pseudo-intelectualismo nalgum tipo de críticas a esta fotografia. Em 1972 a imagem de uma criança vietnamita a correr completamente nua, vítima de napalm, correu mundo e fez história. A denúncia do sofrimento a oriente, feita por fotojornalistas e pela televisão, teve um profundo impacto na opinião pública americana e foi a pressão desta, back home, que acelerou - ou originou, mesmo - o fim da guerra do Vietname. Mas porque consideramos essa foto como um impressionante testemunho documental e olhamos para ela sem polémica enquanto que refutamos olhar e partilhar a de Aylan, defendendo que não é de bom tom usar a imagem da criança (pobre, pobre menino, que apetece abraçar, vivo, e levar para casa...)? É verdade que Aylan morreu e que isso é muito mais doloroso, foi agora, está a ser em direto, faz-nos chorar e abala a nossa consciência. Há gente que nunca consegue enfrentar a sua consciência, de todas as formas, em várias circunstâncias. Respeito, mas não é o caminho. A nossa sensibilidade de não matar galinhas mas comer galinhas não é o caminho, na minha opinião, discutível e subjetiva. Mas ainda a foto de 1972. Refere-se sempre o nome do fotógrafo, como se por ser da Associated Press - ou eventualmente da Time ou da National Geographic ou de outras igualmente conceituadíssimas - como se, dizia, legitimasse o documento, estilizado a preto e branco, pois, enquanto uma foto a cores tirada possivelmente de um telemóvel não recebe o mesmo estatuto de documento para a posteridade. Partilhei a foto, repito, não porque goste de o fazer mas porque repudio o que aconteceu. Tenho lido e ouvido muitas barbaridades sobre a tragédia dos refugiados. E sobre a publicação da foto, também. Pois bem, das mãos de um fotógrafo de renome (e se fosse Mario Testino?) ou das de um polícia turco ou cidadão comum que assistiu a tal drama a diferença, para mim, é nenhuma. E insisto: se a publicação deste horror, porque o é, contribuir para salvar uma criança, uma criança apenas que seja, inocentes arrastados para uma guerra e um mundo de adultos que não compreendem, então já terá valido a pena. Aylan, meu querido, ficarás sempre na nossa memória coletiva. Chorar ao ver-te, pelo menos por dentro, é um sinal de que ainda temos um pingo de humanidade. E fazer saber ao mundo como nos deixaste não o deixa de o ser. Para que as pessoas acordem, não se distraiam e, sobretudo, façam alguma coisa. A denúncia não pode ser confundida com sensacionalismo. Ocultar não é superioridade moral. É uma escolha, tão somente. Compreensível. Mas não será por aí o caminho. Ver é não ficar indiferente. Assim seja.

dezembro 30, 2014

Ano novo, vida nova

Viva, amigos leitores do AEfetivamente. Espero que tenham passado uma quadra natalícia a gosto e que o ano que aí vem vos traga dias pincelados em tons que que vos agradem. Por mim, uma vez parado este blogue, venho convidar-vos a seguirem alguns apontamentos, cujo estilo no melhor ou no pior já conhecem, na página AEfetivamente do Facebook. Bem sei que há de parecer uma deserção da blogosfera (por agora ... é) e uma incursão num meio de comunicação menor, mais imediato e não tão cúmplice. Mas nesta altura vou optar por esta via - a de partilhar os tais afetos e os factos de forma mais fácil para mim, é certo, mas já é qualquer coisa, para mim, claro. A verdade é que tenho saudades de fazer essas  partilhas com alguém do lado de lá, com nome ou não, com rosto ou não. Vai daí que, se quiserem, encontramo-nos lá. Penso - penso - que basta fazer o Follow (Seguir) para receber essas viagens pelo pensamento - ou por outra coisa qualquer - no vosso mural. Se não forem Facebookianos, penso - penso -  que podem à mesma aceder à página através da internet. Mas sem certezas. Hei de ainda ver isso. Também podem ignorar completamente esta abordagem, compreende-se perfeitamente tal opção. Como não compreender, de resto e sempre, a liberdade que significa uma escolha pessoal?
O link para a página aqui fica. Espero que funcione.
Pode ser, pois, que nos vejamos por lá. E toca de me por a escrever alguma coisa, pois claro.
Votos de um bom 2015.

outubro 26, 2014

Decididamente

Não me alegra e até receio alguma precipitação mas dou hoje por encerrada a minha incursão pela blogosfera. O AE aguentou-se por 4 anos e foi uma (muito) boa experiência em todos os aspetos com ele diretamente relacionados, sobretudo o facto de pessoas de bem, que se identificaram ou não, que deixaram algumas palavras ou não, me terem surpreendido com o facto de que aquilo que fui escrevendo pudesse interessar a alguém. A elas, a todas as que passaram por aqui, agradeço imensamente. Também foi por elas que isto foi indo e é por elas que me entristeço um pouco ao colocar um ponto final no blogue, muito mais do que por mim. Tive a sorte de ser sempre muitíssimo bem tratada por aqui, de aparecerem os melhores dos melhores, só posso concluir.
Esta retirada da escrita vem na sequência da retirada da leitura de outros que tão bem li ou ia lendo, também. Ser uma working mum com uma profissão cada vez mais exigente e desgastante não deixa espaço e tempo para os prazeres da reflexão ou das viagens por entre os pensamentos e as palavras. Ou dos afetos e dos factos, se pensar na pequena sinopse lá em cima. No até sempre de agora, a vontade e a crença em melhores tempos para todos - vós ou nós. Também um repetido obrigada, aos 74 rostos e nomes ali ao lado e aos outros todos com quem estabeleci contacto - e com criei laços de amizade virtual - através disto tudo, sem destacar nomes, receando ser injusta ou esquecida. Finalmente, umas linhas em inglês, como não poderia deixar de ser, os dois versos finais de um poema fantástico que cheira a teatro e a cinema:
 
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.
(Dylan Thomas)

outubro 25, 2014

Quando o teatro não tem close-ups




Faz hoje precisamente uma semana que assisti à peça Gata em Telhado de Zinco Quente pela companhia Artistas Unidos. A começar por este nome, a lembrar-me os estúdios United Artists, tudo tinha um aroma incrível a cinema, o que me fez sentar na plateia com expetativas altíssimas. Havia lido a peça por altura da universidade e, sobretudo, tinha visto o filme antes - na altura muito jovem mas com grande gosto pelo cinema clássico que passava na televisão - e depois. A fita eternizou-se-me mais do que a peça original, é um facto, de tal modo que não é fácil para mim esquecer as interpretações de Elizabeth Taylor e de Paul Newman, um par que venerava, juntos no ecrã ou não. Isto pode ter constituído um problema para ver como credíveis as interpretações desta versão, encenada por Jorge Silva Melo, ainda por cima sendo mais fiel ao texto original e, desta forma, soando menos romântica, inclusivamente no seu final.

No geral, gostei da peça que vi, cenografia aprovadíssima, e o reconhecimento de que o teatro é um ato corajoso de exposição, sem rede, mais ousado e mais exigente. Das interpretações, penso que apreciei mais a de Rubén Gomes no papel de Rick (engraçado como este ator me lembra o Gregory Peck, aqui), num registo interessante em palco. Consegue passar de forma relativamente convincente o drama interior da personagem, desde o cinismo à infelicidade. A seguir, talvez a personagem da Mamã (a Big Mama, no original), meio idiota meio trágica, perdida algures entre a verdade e a mentira. A figura do Papá (Big Daddy) foi talvez a que mais me desapontou, na cruel comparação que não devia ter feito com a fita dos anos 50. O registo, aqui, enveredou por momentos de comédia e pessoalmente não consegui desligar da imensidade do velho gordo a destilar sarcasmo no ecrã, mas também vulnerabilidade, frutos amargos da sua tragédia. E que dizer da personagem central, Maggie a Gata, interpretada por Catarina Wallenstein? Lembrava-me bem de uma deixa fulcral no filme: "I´m Maggie, the Cat and I´m alive!" e esperei para ver a intensidade com que era dita. Esteve abaixo das minhas expetativas, comparando, nem sei se alguém que não tenha visto o filme foi capaz de a carregar para a posteridade. A atriz , contudo, não esteve mal como uma feminina jovem sulista que luta pelo seu casamento - mas aqui com objetivos mais materiais do que propriamente passionais. O encenador aflora isso na sinopse - o objetivo de mostrar a Gata sob uma outra perspetiva e se será possível fazê-lo. Acho que foi. A interpretação da Liz - ai que injusta comparação - foi mais apaixonada e ainda por cima filmada sob ângulos que nos fazem simpatizar com o desejo daqueles olhos violeta. Isto é uma grande chatice, estar a querer ver cinema no palco. De qualquer forma, parabéns aos artistas. Apesar do tom ser menos cínico e menos trágico do que o do filme, apesar de haver menos paixão e sensualidade, subir à cena durante duas horas seguidas num grande clássico, em que só os grandes pegaram, é coisa para apreciar. Neste aspeto, há que aplaudir.

outubro 23, 2014

Inteligências

 
Acabei de ler na minha homepage MSN um título a dizer assim: Quem é inteligente ouve Radiohead, quem não é ouve Beyoncé (in DN). Não li o artigo mas avanço já com a pergunta que se (me) impõe: E quem não ouve nem uma coisa nem outra?

outubro 22, 2014

Nº 5

O drama dele, que no fundo também podia ser o dela, era não ter enveredado pelo teatro.

outubro 18, 2014

Não importa

Não era, de todo, minha intenção destacar aqui o filme para o qual esta canção foi criada. Já o destacara antes, de resto, a propósito do seu final. Acontece que, querendo em absoluto deixar aqui esta sublime música irlandesa, não encontrei nenhum vídeo que lhe fizesse jus. O clip oficial está já em más condições, tanto visuais como sonoras, e portanto não serviria também o objetivo. O vídeo não é, então, o ideal mas aqui fica à mesma. 
Que mais há a dizer? Apenas que palavras tão simples podem tornar-se tão eternas sob os ecos da mística ilha esmeralda. No matter where you go, I will find you - digam lá se não é  a envolvência da espiritualíssima música da Irlanda que faz toda a mágica diferença. Clannad, importa acrescentar.
 
 
 
 

outubro 17, 2014

A salvo

 
 
 
Em turmas problemáticas e heterogéneas a nível das atitudes, os alunos menores com melhor postura e comportamento - e, logo, aproveitamento - são aqueles que não têm autorização de saída - saída do estabelecimento de ensino durante o dia de escola. É o que acontece na generalidade, os pais e/ou encarregados de educação assim o definiram. Já os alunos com sérios problemas comportamentais - e de aprendizagem - que nem vale a pena enunciar aqui, continuam a usufruir de livre salvo conduto que os afasta tanto de aulas como de atitudes saudáveis ou observadoras das regras. Não sou contra os votos de confiança e considero que toda a gente merece uma segunda oportunidade. Mas, sabendo o que a casa gasta, aqui está uma coisa que, já não estranhando, pois, ainda não fui capaz de entranhar.

outubro 16, 2014

Detestando quem detesta

Um dos miúdos mais complicados que já tive até hoje perguntou-me o significado do que estava escrito no seu boné: I love haters. Expliquei-lhe, não tendo bem a certeza que tenha entendido, mas como ficou calado deduzo que tenha consentido. Mas o propósito deste apontamento é servir de mote para dizer exatamente o contrário: "I hate haters". Os haters estão na moda - até há grupos de haters, certo? - e é vê-los, quer dizer lê-los e senti-los com força pela internet fora, por exemplo, apesar de os haver também ao vivo e a cores, infelizmente neste caso a vida virtual também é um brutal eco da real. Mas quem são estes haters, afinal? São pessoas que se dedicam a odiar, é uma explicação. Com tudo o que isso implica e traz. Podem ficar-se por ódios de estimação específicos e declarados, desde pessoas de sucesso a profissões ou atividades e mais. Outra é que os haters são pessoas altamente frustradas que desdenham de tudo e de todos. É que há quem não goste de nada - criticam, denigrem, destroem, sobretudo invejam. Também é possível a explicação de que possuam um elevado nível de exigência em relação a tudo e todos, de tal forma que não conseguem deslumbrar-se com nada. Perder a capacidade do deslumbramento é chutar para bem longe os resquícios da infância que muitos outros possuem naturalmente e que outros tentam manter a todo o custo. Por fim, esta negatividade dos haters poderá advir de um conceito de autoestima pretensamente elevado mas profundamente baixo. Dessa forma, a sua suposta superioridade faz disparar setas em todas as direções mas, na verdade, é o desconforto em relação a eles mesmos que despoleta os ódios. É normal gostar-se de e não gostar-se de. Normalíssimo. Quando se faz culto de ódios exagerados e primários, meramente passionais e não razoáveis, já o será menos. Não gosto de quem não gosta de nada e sente prazer em destruir. O negativismo constante e demolidor não faz parte dos meus dias. Cá dentro, e apesar do "hate haters" lá em cima, ainda triunfa o bem.

outubro 15, 2014

De repente

Há quem entre nas nossas vidas com todo o fulgor e rapidez. Mesmo sem nós contarmos, esperarmos ou até desejarmos. E depois vão-se, de igual forma. Repentina, rapidamente.  Mas provavelmente já contávamos e esperávamos isso. Apesar de não o desejarmos, ou não necessariamente.
 
 

outubro 12, 2014

Das ilhas

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Interrogamo-nos muitos nesta altura sobre o facto dos tradicionais aliados dos EUA e da Europa no Médio Oriente, de maiorias muçulmanas, não enfrentarem de forma aberta a ameaça do Estado Islâmico, sabendo-se ao invés que esses governos, ou pelo menos setores das suas sociedades, financiam os terroristas mais temíveis do momento. Falo nomeadamente da Arábia Saudita e do Qatar. E da Turquia, claro. Trata-se, sobretudo no caso dos primeiros, de estados ricos da região que têm mantido relações de interesse, perdão, amizade com os países a ocidente. Espantosamente, o estilo de vida destes países do Golfo em nada é secular, as igualdades ainda são uma miragem, apesar dos petrodólares, e muito provavelmente quanto mais virem outros aderir à lei islâmica e à sharia melhor. A Al-Jazeera, uma televisão da qual se disse ter revolucionado o mundo árabe, mostrando os seus podres e as suas fraquezas à escala regional e global, tem a sua sede no Qatar. E aquilo que nos parece ser uma televisão livre e sem censura, virada para a modernidade, não é mais do que um instrumento de propaganda que serve os seus sustentadores. Na verdade, quanto mais desestabilizados estiverem os estados mais seculares das arábias e Magrebe, mais o radicalismo político e social crescerá, ainda que com aliciantes fundamentalismos religiosos. O que vem agora a comprovar-se com o EI de forma mais assustadora e letal, face às suas práticas bárbaras e à sua meta de expansão de território. Se atentarmos bem, a televisão do Qatar tem mostrado e mostra bem o desnorte e o desconforto existentes em vários países de língua árabe ou de confissão muçulmana mas nunca faz o mesmo em relação ao seu próprio estado e sociedade. Como se o Qatar e a Arábia Saudita fossem modelos de sociedade perfeitos e sem máculas. E quem conhece estas realidades sabe que são ditaduras, islamizadas e sem margem para desvios. Mesmo se mascaradas com opulência e fartura. Por um outro lado, se se tratar do Irão, ainda que com uma sociedade fortemente islamizada, há todo o interesse em que caia, por ser xiita, mas o mesmo já não se passa relativamente às organizações ou movimentos sunitas, como é o caso do EI. A hipocrisia e a incoerência das alianças chegam, neste ponto do globo, a contornos descaradamente incríveis. Seja em nome da religião ou da economia ou da supremacia ou da história. Nada do que parece é. A palavra al-jazeera quer dizer a ilha. Um nome simbólico que traduz a dificuldade que é chegar ao entendimento destas encruzilhadas políticas e geográficas.

outubro 11, 2014

Maduros anos

  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aqui está a prova de que, no geral, as mulheres envelhecem bem melhor do que os homens.

outubro 10, 2014

Elevar a fasquia

 
Andamos todos uns contra os outros. Quer dizer, puseram-nos e vão-nos pondo uns contra os outros. É preciso resistir a isto, não deixar que o mal estar se instale entre nós, que não invejemos e queiramos o mal dos outros apenas porque nós não estamos bem ou tão bem quanto desejaríamos e merecíamos. Devemos desejar o bem para nós, reclamá-lo, em vez de querermos que os outros passem também eles a estar mal. Explicando. Somos contra certos direitos dos outros porque não os temos, admitamos. E o mesmo com benefícios ou vantagens. Mas que tal exigirmos que também os tenhamos e não, pelo contrário, contribuir para que desapareçam? Podemos ver isso na questão dos direitos adquiridos que foram ao ar. Muitos regozijam-se com a perda desses direitos, de pessoas mais velhas na profissão ou até de pessoas com mais poder e com mais dinheiro. Não devíamos ao invés mantê-los e alastrá-los, abrangendo-nos a todos? Se não agora, para quando lá chegássemos, sobretudo se falarmos em termos de idade? Nada tenho contra os direitos ou até privilégios de mais velhos se eu própria vier a beneficiar deles também. Donde nos vêm esta tola insistência em nivelar por baixo quando devíamos exigir e conseguir o nivelamento por cima? Se consideramos que estamos em desvantagem que tal lutar para conseguir chegar à vantagem? O mesmo para as condições de trabalho - porque estamos em crise e há, infelizmente, gente sem trabalho devemos aceitar tudo sem reclamar? Devemos baixar os braços e deixar que tudo se deteriore? Devemos sentir-nos contentes porque perdemos - ou outros perdem - qualidade no trabalho? O mal estar entre as pessoas, sobretudo a nível profissional, alimenta-se das injustiças, é certo, mas também da invejazinha decorrente da frustração de quem não luta para abolir essas mesmas injustiças. Mas que possam ser abolidas nivelando por cima e não por baixo. Se A tem um mais lutemos para que B também o tenha. Não há nada de dignificante na ausência e perda de direitos e regalias de quem trabalha ou trabalhou. A dignificação está em conseguir que todos nós deles possamos usufruir. Não há, em última instância, nada de dignificante na pobreza, se extremarmos a questão. Pessoalmente não desejo que a riqueza desapareça, quero é que a miséria despareça. Acabar com os ricos é, se pensarmos bem, uma estupidez. Acabar com os pobres, sim, uma urgente e permanente justiça . Almeje-se à igualdade por cima, insisto, com melhores condições de trabalho - e de vida - por parte de quem as tem inferiores. Almeje-se à equidade com a fasquia alta, muito alta. Testemunhem-se, resumindo, saltos e não quedas.

outubro 08, 2014

Rapidíssimas

 
 
1. Não compreendo, por mais que me esforce, como é que o Ministro da Educação ainda não apresentou a demissão. Ou como é possível que não o tenham feito por ele.
 
2. Eu até achava piada ao Zeinal Bava por ser exótico. Fez asneira, pelos vistos, não pequena, pelos vistos. Ouvi hoje que se demitiu. Sempre tem mais caráter - vergonha? - do que o de cima, apesar dos pesares.
 
3. Os raides aéreos parecem não estar a resultar no Estado Islâmico. Razão tinha quem disse que essa não seria a solução ideal (embora eu não saiba qual é, já agora e infelizmente).
 
4. Ontem assustei-me a sério com as informações sobre o ébola. Isto sim, devia e deve preocupar a humanidade. Se em vez de desunirmos e destruirmos construíssemos unidos...
 
5. Seja em que partido for e seja que nome for, prefiro alguém que me diga que é prematuro dizê-lo do que alguém que promete não baixar impostos. Primeiro a honestidade, em último a demagogia.
 
6. Outono verão, outono inverno, outono verão, outono inverno... Mas o que eu queria mesmo era o verão verão. Que saudades do sul. A sul é-se sempre mais feliz. Talvez me mude..

outubro 06, 2014

Ir ou ir indo

Há quem deseje ir sempre mais longe em termos profissionais. É legítimo e natural. E há quem deseje apenas aguentar-se. É estranho mas não assumamos que não é natural. Num mundo que valoriza os projetos futuros viver meramente o dia a dia e o presente pode parecer burrice. Mas não.

outubro 05, 2014

No mundo dos surdos num mundo de surdos



Ontem assisti no Coliseu do Porto à peça Tribos, da autoria da inglesa Nina Raine e trazida por António Fagundes a Portugal. Não se tratando de uma alegoria propriamente original - a ideia da surdez física ser menos cruel do que a surdez emocional - a verdade é que momentos como estes levam-nos indiscutivelmente a confrontar-nos com as nossas muitas intolerâncias mentais, as quais excluem da nossa vida tudo e todos os que se apresentam, pensam ou regem sob ângulos de diferença variados.
Afinal, quem é o surdo? Aquele que não ouve por deficiência orgânica ou aquele que, saudável, não quer e não sabe escutar? Quem é que tem dificuldades evidentes de comunicação? Aquele que não sabe o que são sons, lê os lábios ou usa a linguagem dos sinais ou aquele que, fisicamente são, se fecha em si mesmo, nas suas razões e nas suas ideias, incapaz de se colocar no lugar do outro? Surdez psicológica de quem não sabe ouvir. Incomunicação de quem não quer ou não sabe chegar ao outro. De tantas formas, em tantos lugares. Este é o universo dos desafetos que exclui invariavelmente os surdos e os portadores de uma deficiência mas também tantos outros que estão fora do padrão de alguma maneira.
A peça centra-se numa família disfuncional, mesmo segundo as palavras de Fagundes proferidas durante a conversa com o público depois da peça, e em que as relações são povoadas de agressividade, palavrões e barulho. Um ruído que conota a ausência de serenidade e confiança, que reforça por contraste o isolamento das personagens e a sua alienação num quotidiano de frustrações e de conflitualidade. Fagundes caraterizou a peça como "uma comédia perversa" e de facto são vários os apontamentos de humor negro e de uso do vernacular que nos vão, talvez perversamente, pois então, arrancando umas gargalhadas. Em todo o caso a intriga toca-nos e a mensagem é clara: a surdez da alma é mais comum e trágica do que a surdez real. Basta estar atento para perceber isso. Basta, numa palavra, ouvir.

outubro 03, 2014

A bem e não a mal

 
Sim, sou uma eterna romântica. Não resisto a uma boa história de amor, sobretudo se mistura cinema e exotismo. De tal forma que fiquei de quatro pelo romance que correu mundo nestes últimos dias. O casamento, melhor dizendo. Lindo, de espírito global, à grande e à italiana. Também eu sucumbi ao charme do enlace, também eu "googlei" para ver as fotos e saber mais sobre a love story, também eu me deixei apanhar pelo guarda roupa da noiva e pela beleza que caraterizou o evento. Eu, que nem sou dada a celebrações nupciais. Bom, um salão de festas qualquer aqui na região não consegue competir com os canais e os convidados cintilantes deste mega casório, deve ser por essa razão. Mas o que o tornou especial talvez seja afinal bem mais do que isso. No meu caso, este nó cativou-me por ser internacional e intercultural, por se tratarem de duas pessoas maduras, num registo sem escândalos, sem atilhos, absolutamente clássico, a deixar um incrível toque de sedução e romantismo.
Sobre George Clooney, já havia escrito aqui umas linhas. Não fazendo parte do meu atual top 5 no que diz respeito a atores de eleição, considero que se trata de um homem real real realmente bonito, simpático e elegante, que tem uma faceta humanitária que muito aprecio. No ecrã é igualmente cativante - tenho vindo a apreciá-lo cada vez mais - e achei graça, muita graça, ao eterno solteirão (ou quase) que jurava não casar nunca mais e que agora ostenta uma aliança no dedo à escala mundial de forma nitidamente feliz. E se alguém está feliz assim, eu feliz fico logo logo a seguir. E a noiva? Quer dizer, a Sra Clooney, neste momento? Não a conhecia antes mas aprovo-a completamente. Exótica, independente, diferente. Acho que irradia luz. Para além dos outros atributos que lhe são dados, a luminosidade já pode explicar muita coisa. Aqueles sorrisos nas imagens que vimos e vemos são verdadeiramente incandescentes. Felicidades, para ambos, que sejam muitas, muitas.
Mas nem toda a gente se deixa contagiar. Há sempre quem deseje mal, espere o mal, veja apenas (o) mal. No meio de grande excitação coletiva online, descubro teorias, medos, augúrios, julgamentos, críticas, desdéns, friezas. Que ela, Amal, é feia e masculinizada, que lhe vai roubar o dinheiro todo, que é árabe, que por ser advogada não é automaticamente inteligente, que casaram porque está grávida, porque ele precisava de casar, porque os gays é que gostam de magras, porque esbanjaram dinheiro quando tantos sofrem, porque ele fez do casamento um carnaval, porque se está apaixonado devia manter tudo mais privado, porque ela defende pessoas que até são duvidosas, porque a família dela é drusa, porque ele não é bem sucedido a nível humanitário, porque é tudo uma fachada para ele chegar a governador, porque o divórcio sairá rapidamente, porque ela já é muito velha para ser mãe e ele nem se fala, baaaaaahhhhhhaaaaaaa. Por favor, parem. Relaxem. Ou o mundo está assim tão cheio de cínicos, de descrentes, de agoirentos, de invejosos, de destruidores, de haters, de corações sem chama? Medo, saber ou ler isto mete medo.
Na verdade, ninguém pode dar certezas acerca da longevidade da sua relação ou do seu casamento. Da mesma forma, cada um saberá das razões para estar com alguém sem ou com papel assinado. Quanto durará este matrimónio é coisa que seguramente não interessa. Pode durar para sempre, como os nossos, ou não, como os nossos. Se durar apenas o tempo de uma fita de cinema afinal já terá valido a pena. A bem dizer, foi um casamento digno de filme. E eu cá não levo isso, de todo, a mal.

Hoje eu também acordei assim *

                                

Isto significa que se está muito mais só, é um facto. A independência tem um preço elevado e a vontade também. Mas ao menos que não nos traiamos a nós mesmos. Vive-se como se quer, sabe e pode, já aqui o disse várias vezes e repito. Muitas vezes não podemos dar mais, não sabemos. Não da forma dos outros. Temos a nossa e é com ela que temos de ir andando. Cada um vive com a sua forma e a sua verdade. Ou aparentemente. E as vontades podem não se cruzar. Não se cruzam, é isso. Daí que uns permaneçam e outros não. Permanecem os que provavelmente têm de permanecer. Muitos, poucos, nenhuns. Interessa é não fugir da própria vontade. Apesar do preço.



(*Não sou nem nunca fui bomba mas quero acreditar que burra não sou. Explicado o roubo. )

outubro 01, 2014

Solidão de uma forma e de outra forma

                       

A solidão física geralmente é indolor, porque e quando necessária e desejada. Já a solidão afetiva é passível de se tornar num imenso deserto de dor. Ela pode ser necessária, como luto ou forma de autoconhecimento e renovação, e por isso mesmo até ser desejada. Mas provavelmente não a tempo inteiro, não eternamente. Já a primeira, por entre saltos de tempo variáveis consoante os humores ou as vontades, pode durar uma vida inteira. Tanto uma como outra podem, no entanto, ser compatíveis com o caráter e as emoções mais profundas de cada um. Ou também podem não ser.

setembro 30, 2014

Bela muito adormecida


Já é muito tarde para um café mas um clássico é sempre um clássico. Ou então, de outra maneira. Um clássico é sempre um clássico embora a esta hora prescinda do café.

setembro 29, 2014

Sem forças nem vontades

 
 
Durante o ano letivo transato, no decorrer da minha atividade profissional, desenvolvi um tipo de trabalho, pela força das circunstâncias, que não tivera a oportunidade de conhecer de perto antes. Falo de uma frente que se cruzou no meu caminho como Diretora de Turma, de forma avassaladora, exaustiva, enriquecedora e que continuará este ano, se bem que com mais apoio de outras instâncias escolares que estiveram, também por motivos de força maior, ausentes no ano passado.
Esta ação consistiu num trabalho de articulação constante com as CPCJS - Comissão de Proteção de Crianças e Jovens - de várias localidades, com os Tribunais de Menores de diversas áreas e ainda com médicos pedopsiquiatras de hospitais da região. É verdade, foi árduo e contínuo, exigiu força, física e mental, quer a nível de reuniões, de telefonemas, de troca de e-mails, de relatórios. Como disse, foi também uma nova experiência que me abriu horizontes, mesmo com pouca luz ao fundo do túnel, em alguns casos, e que me despertou para fortes problemáticas sociais e escolares vistas de uma perspetiva quer mais dramática quer mais interventiva. Isto indica o tipo de alunos que tive e tenho a meu cargo e implica muitas horas de trabalho para além daquelas mais normais que assentam na lecionação de aulas, nas reuniões interpares, nas burocracias incontáveis e no tratamento de problemas como indisciplina, insucesso e outros.
Não foi um bom ano, porque muito difícil, mas também estou mais conhecedora e mais capaz em determinadas áreas cujos meandros desconhecia. Quero acreditar, pelo menos. Acreditar deve dar algum tipo de resistência, forçosamente. E por isto, por tudo o que ano que findou e o ano que começou agora significam, tenho um fortíssimo ataque de nervos  cada vez que olho para a minha atual folha de vencimento. Em circunstâncias normais, em países normais, com economias fortalecidas e justas, penso que trabalho a mais e feito da forma mais honesta e eficaz que se sabe mereceria um aumento ou uma pequena promoção, algum tipo de estímulo, como forma de compensar o desgaste e o sacrifício familiar por arrasto. Mas não, aqui o salário diminuiu fortemente, do género como se eu tivesse menos 10 anos de carreira. Ou 15, até. Por um lado, poderia ficar contente por pensarem que pareço ter menos 10 anos, caramba, afinal estou cada vez mais nova. Mas por outro, e este é o que deriva da triste verdade, os 10 coincidem com o gelo que vou sentindo nos ossos e na alma: é que estou congelada desde 2004 e nem um pequeníssimo vislumbre na progressão na carreira, apesar da avaliação para promoção do mérito, aquela mentira que inventaram para fortalecer o ensino. Resumindo, tudo conspira para nos tirar a força.

setembro 28, 2014

Atrás de um grande homem


   
 
                   
Ontem ao rever uma boa parte do filme Troia, houve um frase que me ficou na memória, que não fixara da primeira vez que vira o filme, no cinema e já há alguns bons anos. Uma das protagonistas diz ao seu amado: "Não quero um heroi, quero um homem com quem possa envelhecer". Engraçado como Helena de Troia resume o pensamento feminino, acredito que em larga escala e através dos tempos, no que diz respeito ao amor e de certa forma ao casamento ou a algo que se assemelhe.

Na verdade, penso que é preciso muita coragem ou uma consciência social, política ou humanitária muito forte, por parte das mulheres, para aguentarem a ausência dos companheiros por longos períodos de tempo e em que o risco máximo esteja presente. O risco de eles perderem inclusivamente a vida e assim perder-se o amor. E não posso deixar de pensar também como é diferente o mundano chamamento dos homens em relação ao universo dos desejos mais profundos e intrínsecos das mulheres.

Nunca deixei de pensar nisto ao ver biografias sobre homens que ficaram na história e que se tornaram herois para gerações presentes e futuras. Um desses exemplos foi a vida de Che Guevara, um mito à escala mundial, que se perpetua na memória coletiva pelos seus ideais de revolução e liberdade. Mas, sobretudo enquanto via o filme de Steven Sodebergh, não deixava de interrogar-me: o que faz um homem com família, mulher e filhos, quando estava já instalado em Cuba, largar tudo e ir combater como guerrilheiro para a Bolívia, onde aliás perdeu a vida? A nível de abnegação por uma causa é notável, o sacrifício pessoal em prol de um projeto social, de um ideal de justiça. A nível familiar pensei na esposa que deixou para trás, como os homens deixam sempre as mulheres, fortes decerto mas decerto sofrendo, como as deixam na retaguarda, ao sabor de dias receosos, expetantes, sob o signo da ausência.

Da mesma forma, e não querendo de forma alguma estabelecer nenhum paralelo que não seja este, o das mulheres de armas que não pegam em armas, os guerrilheiros medievais do EI fazem exatamente a mesma coisa. Interrogados pela "Vice News", um dizia que tinha deixado a mulher os filhos e que estava ali por uma causa maior, que a causa era maior do que o resto. Não deixa de ser arrepiante, quando sabemos que a causa significa o terror e o anacronismo, mas o enfoque nesta questão serve o mesmo propósito deste post. E continua a ser algo que causa arrepios, se fundamentalmente do ponto de vista romântico e amoroso.

A coragem em os deixar partir é muita. Ou provavelmente nem se trata disso, são opções do mundo masculino que se regem frequentemente por motivações muito diferentes das do feminino. Eles querem partir, devem partir, o mundo chama-os, o ideal, certo ou errado, nem isso importa aqui, vão-se às as armas e à luta,  alguns voltam, outros não. De qualquer das formas trata-se de uma grande e decerto dolorosa prova para a mulher. Sobretudo se quis um companheiro para dividir as cores dos dias, se o seu coração é mais poderoso do que a cabeça, se não compreende os desígnios do destino e dos homens quando comparados com a alquimia do amor.

Atrevo-me a dizer que a grande maioria de nós, mulheres, não quer herois, à semelhança de Helena de Troia, mas apenas afeto e companhia, isto se falarmos numa base quotidiana e sem sonhar com grandes filmes. Se há delas que estoicamente resistem à saudade e à ausência e conseguem esperar, pelo regresso ou pela criação de uma lenda, outras há que sustentam o histórico longe da vista longe do coração. Admiro as primeiras mas não condeno as segundas. Poucas relações, creio, resistem eternamente às causas, ao apelo do mundo, ao sacrifício em nome do coletivo e em detrimento do estritamente pessoal.
 
O amor é pessoal, pessoalíssimo, e a construção de uma família também. Por muito que admiremos os herois do passado e do presente, não percamos a noção das suas bravas - infelizes? - mulheres na retaguarda. Honremos as que resistem e compreendamos as que sucumbem e anseiam por mais paixão a alimentar-lhes as horas. A esposa de Heitor, viúva, ganhou o estatuto de heroina mas, no filme, é Helena que envelhecerá como e com quem quer.