fevereiro 13, 2013

Locus amoenus


Deparei-me no outro dia com uma passagem de um livro de Alberoni que adquiri recentemente em que o autor referia que certas áreas citadinas concebidas por alguns arquitetos são deprimentes. Penso que se referia a certos conceitos minimalistas, áridos, frios, impessoais em demasia que vão povoando algumas ideias modernas no que à arquitetura concerne. Mas o que me chamou a atenção nisto foi o facto de ser verdade, que os espaços podem ser realmente deprimentes, concebidos por arquitetos com pouca alma ou não. Pessoalmente sou sensível aos espaços físicos, à estética dos lugares, à sua conservação e beleza.
Se os espaços naturais, floresta, campo, mar, ficam bem mais reconfortantes num dia de sol, a verdade é que tudo o que é natural tem à partida beleza, se se encontrar praticamente intacto e não "desfeiado" pela mão humana. Pois esta detém o poder suficiente para modificar de forma harmoniosa a natureza em redor ou desvirtuar os espaços revestidos a pureza que ainda se encontram por aí. Seja nas aldeias seja nas cidades, independentemente se as correntes arquitetónicas foram ou são barrocas ou futuristas, o que me choca é a degradação dos edifícios, das ruas, dos passeios, de tudo o que existe e que pode ser consertado pelo homem.
Em países chamados do terceiro mundo ou ainda não desenvolvidos é complicado. Não que a degradação não exista no hemisfério norte, generalizando assim os países ditos mais ricos, mas já lá vamos. É complicado para mim, diga-se. Não é algo que me faça sentir confortável, associo a pobreza extrema e a condições duras de vida, por vezes abaixo da dignidade humana, e sim, choca-me. Não consigo passar sem sentir nada, como se fosse imune ao sofrimento que muitas vezes acarreta, nem à injustiça do mundo. Nesta linha, os espaços degradados, sujos, deprimem-me. Sim, admito. Elevado sentido estético? Sensibilidade? Snobismo? Equilíbrio? Seja o que for.
Mas dizia que também por cá vemos muita degradação dos espaços, em Portugal, concretamente. Ausência total de brio municipal, de intervenção coletiva ou individual, de sentido estético, de cuidados de limpeza, de tudo o que faz um sítio agradável e onde apetece estar. De aldeias a cidades, claro. Resumir-se-á tudo a uma questão financeira? Duvido. Há pessoas que não cultivam o belo, de todo. Não que o tenham que fazer mas é um questão de saúde, pública até, e de sanidade mental ao mais alto nível todos contribuirmos para a manutenção dos espaços, para a sua reabilitação ou reconstrução e fazer do planeta um lugar bem mais apetecível. Ou não será?
Política, má gestão financeira, desresponsabilização individual, indiferença, mentalidade. Todos jogam para tornar pouco apelativo um local. Com a agravante de que pessoas estão lá. E que convivem ou têm de conviver em espaços deprimentes. Uma espiral de problemas, muitas vezes. Entre o feio e o belo, escolho sempre o belo. Q.b, claro. Não estamos propriamente a defender que tudo seja (re)tocado por  designers de in/exteriores ou arquitetos que trabalham no Dubai. Mas que os espaços minimamente harmoniosos e a qualidade de vida que geram são importantes, são. Para mim, mesmo muito.

8 comentários:

  1. Concordo com tudo o que escreceu, mas também conheço situações em que espaços publicos, novos ou muito bem recuperados são depois vandalizados como se houvesse prazer nisso,são actos incompreênsiveis.Beijinhos

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    1. Tem toda a razão, amiga Aliete, há um prazer em destruir que é maquiavélico e revelador de desrespeito pelos outros e pelo que está em seu redor. Incompreensível, de facto. Como tornar feio o que é belo? Ultrapassa-me...

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  2. Por vezes experimento algumas dúvidas quanto a a classificar certos edificados arquitectónicos modernos, como "locus amoenus". Diria mesmo que muitos são "locus horrendus".

    Abraço

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    1. Igual, jrd. "Horrendus" e de que maneira. E é curioso que Alberoni, um sábio sociólogo que leio, fale precisamente disso. Poderosa a análise que faz da sociedade e dos seus "tiques":

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  3. E como gostei deste texto.
    Este assunto toca-me de forma especial, também eu gosto do "cultivo do belo" sem quaisquer exageros. Deprime-me passear por Lisboa e ver casas (ou o que resta delas) degradadas. Casas, fachadas de prédios que são lindíssimos. Pode parecer disparate, mas sinto sempre uma espécie de dor e não entendo como podemos deixar ao abandono tudo aquilo.

    Sempre que visito o meu pai, as conversas com os vizinhos que abandonam aquilo a que chamam de jardim, é sempre igual, refilo, pergunto se não têm tempo para arrancar as ervas, plantar umas flores, regar a relva que cresce sem qualquer cuidado. Se se quer uma moradia com espaço exterior, é para saber que temos de cuidar do espaço exterior. Digo eu.

    De vez em quando comento no blog «Pensar Lisboa», sempre que colocam mais uma foto de prédios degradados. Aquilo mexe-me com as entranhas.

    Beijinho Fátima, o blog e os respectivos textos, continuam com a mesma qualidade a que sempre nos habituou. Está a habituar-nos mal é o que é :)

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    1. :) É uma querida e exagerada, maria:)
      Concordo em absoluto que mexe comigo e que me apetece fugir desses locais - e mais: acho que não contribuem para o bem estar e quem neles vive é afetado... ainda que não se apercebam ou nada façam para o mudar (quando não são as políticas locais as únicas responsáveis...)

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  4. Também lamento a degradação dos espaços citadinos em Portugal, mais evidente nas grandes cidades. Espaços esses votados ao abandono há 10, 20 ou 30 anos até. Muitos deles são património nacional, exemplos da bela arquitetura portuguesa que se vai perdendo e que riscam ruir, colocando a vida dos seus habitantes em risco... Também concordo com a Maria, na medida em que muitos portugueses, por vezes, não cuidam dos seus espaços (jardins e afins). É uma realidade quase inexistente na Alemanha: aqui as pessoas têm brio no seu cantinho e quando chegam as estações mais quentes é difícil escolher o jardim mais bonito e cuidado. Marla

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    1. Pois, isso faz muita diferença, toda a diferença. O brio e o gosto pelas coisas cuidadas... de facto, há muitos que parecem não se importar com o que está à sua volta..

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