Fui uma feliz e irrequieta mariarapaz na minha meninice. Andava sempre, sempre com feridas nos joelhos. Mas daquelas que doíam a valer, enormes, e muitas vezes fazia feridas em cima das que já lá estavam, de uma aventura desastrada anterior, à espera de sararem. Saltava à corda e lá dava um trambolhão. Andava de bicicleta e lá ia mais outro. Jogava ao elástico e idem aspas. Corria e percorria os pinhais e chegava a casa com mais um joelho a sangrar. Uma vez fui mais longe. Dei um grande e ousado salto, pois andava a explorar a casa maior da rua, ainda em construção, e, sim, fui bater na parede em frente. Ainda hoje não calculo muito bem as distâncias, acho. (Estas, que as outras creio que sim e faço por isso.) O meu nariz sangrava, pois então, cheguei a casa a chorar de dor, vi a minha mãe aflita e, sim, o dito nariz não foi mais o mesmo.
Tinha muita, diria extrema, dificuldade em voltar para casa. Já gostava de rua, de andar por todo o lado e muitas vezes andava sozinha, Eram outros tempos, felizes e simples, sem tecnologias e muita correria e brincadeiras de vizinhança fora de portas. Explorava tudo à volta, a pé ou de bicicleta. Ao domingo ia à missa com a canalha vizinha e o momento alto da mesma era quando o padre dizia - saudai-vos na paz de cristo. Adivinhem porquê. Risinhos e emoção na parte de trás da igreja, mas ao mesmo tempo tudo tão inocente, tão naive. Até o catolicismo era uma coisa divertida. Era uma grande alegria quando na Páscoa, por exemplo, o padre vinha e nós tinhamos alecrim espalhado à frente da porta e na rua.
As minhas brincadeiras de rua eram muito arrapazadas - jogava à cavilha, dava uns toques de futebol com o Paulo, filho da dona da mercearia, tinha carrinhos e um apreço especial por um mercedes azul que viria, de resto, a ser roubado. Pois sim, até as crianças têm apetência por furtos de carros de brincar imponentes e de grandes marcas. Depois, mais ameninada, brincava ao lencinho com a rapaziada do bairro, jogava às lojas (os bocados das telhas eram a carne, a urze era o arroz), às casinhas e mesmo os legos na sala serviam não para fazer blocos nem torres mas para inventar pessoas e casas, em constante interação, romance, família, enfim, coisas de miúdas.
Quando vinha da escola no inverno e já começava a escurecer, ficava sentada a ver televisão e a comer bolachas (a minha paixão pelas mesmas tem, pois, raízes profundas). Fiquei sozinha em casa por volta dos 9, 10 anos quando a minha mãe começou a trabalhar. Ela só chegava às 8 da noite e o meu pai trabalhava por turnos e à noite. Tinha medo, muitas vezes, do escuro e dos ladrões. Por isso a sala, virada para a rua, estava sempre com a luz acesa e a persiana corrida para cima. Para me proteger, tinha um cão chamado Fixe que, na verdade, era uma cadela. A casa tinha, portanto, pátio e um grande quintal. Saí de lá aos 16 anos. E, no apartamento, a vida de criança de joelhos esmurrados, livre e aventureira, pelo espaço e pela idade, não mais seria a mesma.
As minhas brincadeiras de rua eram muito arrapazadas - jogava à cavilha, dava uns toques de futebol com o Paulo, filho da dona da mercearia, tinha carrinhos e um apreço especial por um mercedes azul que viria, de resto, a ser roubado. Pois sim, até as crianças têm apetência por furtos de carros de brincar imponentes e de grandes marcas. Depois, mais ameninada, brincava ao lencinho com a rapaziada do bairro, jogava às lojas (os bocados das telhas eram a carne, a urze era o arroz), às casinhas e mesmo os legos na sala serviam não para fazer blocos nem torres mas para inventar pessoas e casas, em constante interação, romance, família, enfim, coisas de miúdas.
Quando vinha da escola no inverno e já começava a escurecer, ficava sentada a ver televisão e a comer bolachas (a minha paixão pelas mesmas tem, pois, raízes profundas). Fiquei sozinha em casa por volta dos 9, 10 anos quando a minha mãe começou a trabalhar. Ela só chegava às 8 da noite e o meu pai trabalhava por turnos e à noite. Tinha medo, muitas vezes, do escuro e dos ladrões. Por isso a sala, virada para a rua, estava sempre com a luz acesa e a persiana corrida para cima. Para me proteger, tinha um cão chamado Fixe que, na verdade, era uma cadela. A casa tinha, portanto, pátio e um grande quintal. Saí de lá aos 16 anos. E, no apartamento, a vida de criança de joelhos esmurrados, livre e aventureira, pelo espaço e pela idade, não mais seria a mesma.
Vesti a mesma pele, com a diferença de nunca ter habitado num apartamento antes de rumar ao ensino superior e...não trocava a minha infância por qq outra! O correr, pular, arranhar, bicicletas, berlindes, o futebol, a natureza, os animais...foi tudo essencial para o quadro da minha infância, tb como maria rapaz hehehe! Pena os pequeninos de agora não poderem levar a vida de outrora, por melhor ou pior que fosse.
ResponderEliminarBjs, Faty
Faty, que saudades tenho da minha infância!!! Paisagens verdejantes de florestas e lago em pano de fundo para uma vida de "Heidi". No inverno eram brincadeiras e escorregadelas na neve...vida livre e solta, onde os adultos pouco interferiam e havia um mundo de brinadeira só nossas. Mas é engraçado como há coisas que perduram e até se agudizam na vida adulta...parece que tomam sentido. Já na altura gostava de fazer bolachas e bolos sozinha. Obrigada Fatinha, foi bom relembrar!! Jinhos
ResponderEliminarOi Fatinha. Que bom... fizeste-me regressar à minha rua, outrora em areão onde escavávamos os buracos para jogar ao berlinde e onde desenhávamos as macacas. E lembrei-me de uma das amigas de brincadeira, com quem passava tardes inteiras e me ensinou a gostar de pão com azeite e açúcar (é uma delícia), que faleceu ontem...perdura a lembrança. Beijo
ResponderEliminarDelicioso, Fatinha! Obrigada! Luísa Alc.
ResponderEliminarQue nostalgia! Tal como a minha irmã, fui maria rapaz e passei a infância a brincar com primos (rapazes). Andávamos de bicicleta o dia todo (nas férias), brincávamos aos índios e cowboys, médicos e doentes,.. Enfim, não havia limites para a nossa imaginação e éramos tão felizes na nossa inocência e com a liberdade que nos era dada! Marla
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