julho 08, 2011

(Pro)Fundo


Não vou falar da Moody´s nem da crise nem das portagens nem do casamento monegasco nem de nenhum outro acontecimento mais ou menos actual. Disso toda a gente estará a falar nestes dias e também sobre isso a escrever.
De que falarei hoje, então? Das crises, é certo. Mas das existenciais, daquelas que nos dilaceram a alma e que nos desorientam durante um tempo, daquelas que não gostamos de viver nem de assumir, muitas vezes, e que não nos deixam viver, também, dificultando ainda mais as coisas.
Explica-se. Há uma recusa, essencialmente por parte dos outros, em que se atravessem momentos destes. Há quase uma social obrigatoriedade de estarmos sempre felizes, sempre satisfeitos, sempre preenchidos, sempre activos, sempre aptos. E, no entanto, não estamos. E nem podíamos estar. As crises são essenciais para a renovação do indivíduo. Leiam-se os textos de Isabel Leal e de Alberoni (quantas vezes o cito aqui e quantas vezes me inspira a escrever) e veja-se a perspectiva sábia de quem sabe.
Por muito que soframos, porque elas doem, verdadeiramente, por muito que não seja agradável de assistir, sobretudo para quem está (mais) perto, elas são cruciais para se dar o renascimento. As palavras que as descrevem são duras - depressão, crise nervosa, e remetem para áreas difíceis de digerir como a psiquiatria, em última instância. Mas curiosamente elas são naturais e desta forma deveriam ser encaradas, ao invés do estigma da patologia que as acompanha.
Let´s put it on the line: não é melhor que nos reconfortem com um inteligente vai passar, é só preciso tempo do que um atrofiado não podes sentir-te assim? Não é melhor que nos digam é compreensível, toda a gente passa por isso do que és doente e és tu o culpado? Porque não se tranquilizam as pessoas umas às outras? Porque as assustam e insistem em fazer senti-las fora do normal? Que tipo de superioridade querem mostrar? Força e domínio? Auto-controlo? Saúde mental absolutamente relativa?
Uma pessoa que viveu uma crise, ou mais, porque elas são periódicas (sim, vá, tranquilizemo-nos), é uma pessoa mais forte. Sim. É uma pessoa mais preparada, mais experiente, mais profunda. Porque dela(s) deverá ter apre(e)ndido um grande número de coisas. Experimente conversar com alguém a quem tudo sempre correu bem, que nunca se afundou em melancolia ou desilusão. Encontrará frescura, decerto. Mas encontrará conhecimento? Combatividade? Resistência? Colherá ensinamentos? Provavelmente, não.
Por isso, e por muito que nos custe estar na mó de baixo, até porque o tempo parece infinito e não vemos saída aparente, a verdade é que sairemos, e vencedores sairemos. Porque confrontámo-nos connosco próprios, fomos ao fundo de nós mesmos, renascemos e continuamos em frente.

2 comentários:

  1. Muito bem escrito, como sempre! A minha última e recente grande crise foi uma avaria do serviço de internet, que ia me destruindo a cada dia que passava... Quando voltei à "conetividade", foi sem dúvida uma ressurreição para mim (tardia, foi ao 6.dia, mas muito bem vinda) e pensei: "Se sobrevivi a isto, sobreviverei a muito mais!" Bom, não direi mais besteiras... Mas são, como tão bem dizes, as intempéries que avassalam a nossa vida que nos fortalecem e que nos preparam para enfrentar futuros obstáculos. Marla

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  2. Gostei muito!! É 100% verdade.Aliás adoro ver os seus blogs.AP Carvalho

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