maio 08, 2011

Os Bons Rebeldes

Este texto foi publicado no Diário de Aveiro, a 14 de Outubro do ano 2000. Já passou uma década desde que iniciei  estas andanças... Retomo-o aqui. Para quem me conhece não será novidade o conteúdo (uma das minhas obsessões), para quem não me conhece, aqui fica o registo.

É sempre a mesma coisa. Leio a coluna do Alçada Baptista numa conhecida revista feminina e concluo que partilhamos muitos valores e também algumas inquietações. Uma delas é precisamente a dificuldade em aderir à "uniformidade" que vai presidindo aos mecanismos da sociedade.. É realmente redutora a estruturação que se pretende fazer do pensamento e comportamentos humanos. Até actualmente, com tanto enfoque  dado ao respeito pela diferença e pela diversidade, o que é certo é que nas coisas mais simples do dia-a-dia noto com frequência que há uma tendência forte para anular as vozes ou sensações discordantes, quer subestimando-as quer criticando-as e rotulando-as sem qualquer conhecimento de causa. Acontece que, também para mim, não haverá nada mais fundamental do que o respeito pela individualidade e a consequente consideração pelas ideias e atitudes de cada um.
Já por várias vezes me vi obrigada a dizer que só respeitando a minha singularidade e o meu direito de dizer não é que eu poderei relacionar-me de uma forma que pretendo sempre harmoniosa. É bem verdade que me rebelo contra um determinado número de coisas mas há que dizer que esta não é de todo uma atitude gratuita, antes - a tendência é sempre a de não pessoalizar as questões já que a minha visão das coisas, porventura única em alguns momentos, esbarra sim contra sistemas uniformizados e teorias organizadas sob os quais nos fazem ou querem fazer pensar e/ou agir.
Diga-se, de resto, que não é fácil nem cómodo assumir posições de diferença. Não esqueçamos que ao longo da história, e salvaguardando as devidas distâncias, o facto é que os espíritos livres têm sido injustamente julgados no seu tempo, só mais tarde sendo reconhecidos. Portanto, e tal como Alçada Baptista diz, estes comportam grande desvantagem em relação àqueles que se movem no aconchego e na conformidade do todo. De qualquer maneira, tenho a dizer que não consigo, muito francamente, aderir aos pequenos mundos regidos por uma farda - até porque se perde logo uma coisa chamada originalidade, a qual torna, sem dúvida, a existência menos mecânica e menos quotidiana.
O cunho próprio de cada um e a sua exclusividade são, pois, traços que não podem ser apagados sob pena da tela humana ficar empobrecida. Tais considerações não devem ser, logicamente, vistas como um convite à arrogância (longe, longe disso!), o que se pretende é o direito à mais profunda autenticidade existente dentro da alma e da mente de cada um de nós, sobretudo daqueles que dela não abdicam.
Exemplificando um pouco com a profissão que exerço, nomeadamente, verifica-se que um dos critérios na avaliação dos alunos é o seu espírito de grupo, sendo penalizados aqueles que preferem (porque lhes é mais fácil, porque assim rendem mais, simplesmente porque sim) trabalhar individualmente. Esta situação desagrada-me frequentemente porque desvaloriza-se, assim, a independência e a autonomia e procura-se, à força, nestes casos, fomentar a uniformidade, ainda que esta até possa ser absurdamente estéril.
Alargando agora a ideia, concluo, então, com um apelo bem simples - deixe-se os mais dependentes funcionarem numa perfeita igualdade e os menos respirarem na mais completa, absoluta e construtiva liberdade.

1 comentário:

  1. Estamos perante uma boa reflexão filosófica sobre a capacidade de expressão e a liberdade individual contra o conformismo passivo e cegamente obediente.
    Parabéns, gostei imenso.
    Carlos

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