abril 17, 2010

Atempadamente,




Em inglês existe uma palavra para o tempo atmosférico e outra para o tempo cronológico. Não me lembro de na cultura popular anglo-saxónica haver referências directas à primeira, weather. Pelo contrário, vêm à memória inúmeras em relação à segunda. Na música, desde o clássico As Time Goes By, passando pelo psicadélico Time (dos Pink Floyd), chegando até ao pop Time After Time. E assim também na literatura, no cinema. Provavelmente todos os artistas se debruçaram sobre a noção ou o conceito de tempo. Certamente porque a arte é uma inequívoca expressão da realidade, da vida. E o tempo uma das mais constantes e porventura inquietantes componentes da existência.
Vivemos no tempo, usamos o tempo, contamos o tempo, ganhamos tempo, perdemos tempo, queremos travar ou acelerar o tempo, queremos tempo, queremos eternizarmo-nos no tempo. É absolutamente incrível como o sentimos, como o pensamos. E mais incrível ainda como o tempo nos envolve e nos domina, nos aprisiona mas também como nos pode libertar, dependendo do tempo que é, do que dele fazemos. E podíamos estar aqui horas a jogar com as palavras e com a dimensão imensa que o tempo constitui. Horas, dias. Muito tempo mesmo.
Aqui há algum tempo, estava a ler a crónica do director de um conhecido semanário e deparei-me com uma frase que captou a minha atenção durante algum tempo. Dizia ele, basicamente, que há pessoas que estão sempre sem tempo, sempre cheias de pressa e que dão a impressão de estarem permanentemente ocupadas. Daí que, concordando, passe agora eu também a um lado menos filosófico e claramente mais prático da questão.
É alucinante, de facto, o ritmo a que se vive em quotidianos impregnados de modernidade. Por uma questão de qualidade de vida, de equilíbrio emocional e até de felicidade pessoal era desejável que conseguíssemos dias mais tranquilos e onde não sentíssemos tanto a pressão do tempo. Claro que isto se tem tornado cada vez mais difícil de obter para todos nós – o emprego, a família, o trânsito, as contas, a crise, o (in)sucesso, até o lazer. Conciliar, gerir e organizar todas estas áreas ao mesmo tempo pode mesmo dar cabo do nosso tempo. De qualquer forma, e retomando a ideia do director cronista, há sem dúvida pessoas que estão sempre a queixar-se da falta de tempo. Não há tempo para fazer uma visita, para mandar um já de si mais rápido e-mail, para telefonar nem para enviar uma sms. E assim passam aniversários, casamentos, nascimentos, doenças, desilusões, divórcios inclusivamente. Culpa-se assim o tempo e assim passa o tempo. (Recorde-se aqui o algo quieto e maravilhoso Os Despojos do Dia de James Ivory, exemplo claro e para mim inesquecível de como as coisas não ditas a tempo podem perder-se irremediavelmente no tempo.)
E as pessoas ocupadas? Bem, as pessoas sempre cheias de pressa porque fazem muita coisa às vezes parecem dizer-nos que somos uns inúteis sem uma vida preenchida e, desta forma, infelizes. Há muitas vezes a ideia de que preguiçar é absolutamente antiquado, errado, pecaminoso. Então as pessoas correm muito, estão sempre a dizer que foram aqui e que agora vão ali, e que já fizeram e vão fazer a seguir milhentas coisas, anunciando intenções, descrevendo acções que a nós pouco nos importam, dando a ideia de que produzem muito muito. No trabalho, nomeadamente, isto é para lá de irritante. E ainda por cima é errado. Este muito muito às vezes é completamente infeliz. Qualidade zero, criatividade abaixo de zero.
Falando em zero, acabo de olhar para o relógio e vejo um zero indicando que já passa da meia-noite. É o tempo a dizer que o meu corpo e mente pedem preguiça. É tempo de terminar. Por hoje.

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