abril 19, 2010

Orgulho e Preconceito, escrevia Austen



Nem de propósito. Na altura em que estreia o filme adaptado da obra da escritora inglesa, está em Lisboa uma actriz brasileira com uma curiosa peça em cartaz. Entretanto, disse a mesma numa entrevista que observou que os portugueses são muito preconceituosos (Lília, você é tão gira), que, para eles, ir ao psicanalista ou analista, é sinal de que se é maluco. Continuou, dizendo que, pelo contrário, no Brasil, é muito mais fora do normal não fazer psicanálise ou análise. Que todas as mulheres brasileiras modernas, com vidas carregadas de sonhos, expectativas, stress, dúvidas, angústias, e que mais, vão sem problemas ao divã. Dizem o que pensam, expressam o que sentem, relatam o que vivem, sem complexos de espécie alguma, dentro e à volta delas. Grande povo, sem dúvida, com tanta praia, habituados às ondas, não fazem onda com estas coisas, gente boa onda, não enrolam na areia, não enterram a cabeça na areia, o divã não é assim tanta areia.
Pois claro que, por cá, a coisa complica-se um pouco. O nome é psicólogo. Ou pior, psiquiatra. Trememos só de ouvir esta especialidade em medicina. Ou rimos dos desgraçados. Dos próprios que dão consultas e dos que vão às consultas. É gravíssimo entrar num consultório deste tipo. As pessoas estão, ou pior, são malucas mesmo, doidas à brava, loucas varridas. E dão-se fortes vassouradas a quem lá vai, varra-se essa gente da nossa companhia, a cabeça dessas pessoas não funciona. Tudo o resto pode não funcionar. O fígado, o baço, o pulmão, a articulação. Mas a cabeça não pode ter momentos mais fracos. Ou o coração, leia-se alma ou sentimentos. Ou a vida. Isto já é sinal de fraqueza, de incapacidade, de insanidade. E depois, que coisa tão estranha, falar de nós a um estranho. Estranha-se, então.
É óbvio que as pessoas menos egocêntricas, mas nem por isso mais perfeitas, já que tantas vezes estão demasiado viradas para a vida alheia, não compreendem que, no fundo, há algo de egocêntrico no doente do divã. O egocêntrico gosta de falar de si, não lhe custa nada partilhar as suas impressões e opiniões e emoções e situações com os demais. Daí que, como toda a gente sabe, as estrelas façam terapia facilmente. Conseguem passar horas a ouvir-se e a ouvir de si, há, pode dizer-se, uma quase vaidade no processo. Curiosamente, ao mostrarem-se vulneráveis, dançam de uma forma engraçada com o seu orgulho. Tanto acertam com o seu narcisismo como dão o braço, a torcer. E a mão, à palmatória. Assumem o que são, mostram-se como são, vão ao fundo de si mesmas. Auto-analisam-se e, desta forma, conhecem-se. Por outro lado, não querem ir ao fundo. No fundo, a estrela é um doente mais que... são.
Claro que não queremos bater no fundo. E procurar ajuda, se for esse o caso, é um acto inteligente e de maturidade. A burguesia dos costumes e a tacanhez das vistas não alcançam isto mas não faz mal. E depois, falar com alguém que não se conhece, que horror. Óptimo, digo eu. As melhores conversas podem acontecer num aeroporto, por exemplo. O desconhecido ao menos não nos cobra coisas que às vezes não podemos dar. O nosso psicanalista cobra dinheiro, pois, realmente não sai barato, mas curiosamente isso é bem mais fácil pagar. Obviamente que ter alguém a quem se paga para nos ouvir soa certamente mal a muitos mas também não faz mal. Fazer mal é parar no tempo. Mal é ser cruel ou ignorante. Mal é gozar com as fragilidades. É não ouvir nem entender Pink Floyd em “Comfortably Numb”. Pois eu cá, gosto demais desta psicadélica canção. Sei a letra de cor, ah pois sei. Mas pronto, eu sou um bocado para o egocêntrica. Portanto, se tivesse mais dinheiro ia no divã regularmente sem preconceitos e fazia terapia na boa. Ou análise, que em português do outro lado do Atlântico soa bem. Isso porque o Brasil descomplica e liberta enquanto que por estas bandas se complica e se aprisiona.
Lília Cabral, querida, traga a peça aqui, traga, para meu gáudio, sabe que eu sou uma mulher moderna, um pouco louca, pois então, e depois leve a mesma o mais possível por este país fora. Os portugueses, que engraçado, não vão no psicanalista e arrasam (com) quem vai, mas coitados, por baixo dos panos, ou à português daqui mesmo, debaixo do verniz, andam muito dêprê. Bem precisam de elevar a moral. E já agora de ter umas luzes sobre o assunto, que, no fundo, no fundo, vivem escondidos na escuridão. Por orgulho e preconceito, coisa antiga, século XIX, não abrem a cabeça nem o coração. Não querem, não sabem, não conseguem sentar no divã.

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