abril 07, 2011

Ligações quase perigosas


É possível gostar de uma pessoa e não conseguir (con)viver com ela? Sim, é. A Elizabeth Taylor (nem de propósito) e o Richard Burton, que se casaram por duas vezes, afirmavam que se amavam mas que era impossível partilharem a vida. Sem querer entrar pela zona da paixão amorosa, pretendo debruçar-me aqui pela vertente da amizade (ou algo parecido).
De facto, constata-se que ao longo do tempo houve amizades que não se perpetuaram. Umas por percursos irremediavelmente diferentes, nomeadamente profissionais e mesmo geográficos, e outras por diferenças de personalidade, incompatibilidades de objectivos, desencontros nos projectos de vida. E, não se tratando de partilhar a casa, o espaço quotidiano, envolviam, da mesma forma, estar junto. No café, na praia, no parque, no cinema, nos jantares, no lazer, e às vezes no dever, já que algumas ou muitas das nossa relações próximas da amizade se constroem no local de trabalho.
Mas então se fomos próximos de alguma maneira, o que nos afastou?
Afastou-nos essa postura face ao eu e face aos outros, a perspectiva de vermos a existência, a maneira como nos relacionamos com o que está à volta, as metas que delineamos para nós, os actos que acabam por colidir, as reacções que não se encontram. A forma, claramente. E por vezes também a alma.
Não é preciso odiar um individuo para não conseguir con(viver) com ele, longe disso. Há pessoas de quem gostamos sem adorarmos, provavelmente, mas em quem encontramos sempre uma qualidade, ou várias. Ou seja, reconhecemos nelas muita coisa engraçada, que pode ter sido exactamente o que nos prendeu inicialmente a elas. Mas se por acaso a alma estiver em desalinho com a nossa, se a mente se mostrar obscura aos nossos olhos, então será difícil resistir, o relacionamento. Desviamo-nos por sobrevivência, para não compactuarmos com uma maneira de ser e estar e com uma visão com as quais não nos identificamos. Porque queremos estar libertos, de alguma forma, ser nós próprios, escolher outros caminhos.
Depois também aquelas pessoas que até têm uma bela alma, ou perto disso. Mas a forma como a expressam pode tornar-se cansativa, nomeadamente, não se aguentando muito tempo. Demasiado estimulantes, tornam-se...extenuantes. E conseguimos conviver com elas apenas durante algumas horas, partes do dia, enfim, não a tempo inteiro. Há uma forma que não vai ao encontro da nossa. Até porque demasiada intensidade leva, de facto à exaustão. Funciona um pouco como a paixão...esta terá de passar a amor tranquilo para se conseguir respirar.
Encontramos ainda aquelas que são francamente desestimulantes. Não nos cansam, pois não, mas aí também não nos despertam atenção em particular. Podem ser e às vezes são excelentes pessoas, daquelas que se diz é boa pessoa, mas são facilmente esquecíveis, não procuramos a sua presença, e não conseguimos, também aqui, perpetuar uma relação ad eternum. Às vezes fazem parte também da nossa família e  até são prestáveis e gostam de nós mas não conseguiríamos estar com elas por tempos indeterminados. Só encontros fugazes, às vezes obrigatórios
Não que nenhuma relação seja eterna. Mas para qualquer tipo de convivência saudável e feliz ser possível há-se haver ali um equilíbrio qualquer, ao sabor do nosso jeito, da nossa psique, da nossa existência. Não há pessoas ideais. Mas há quem fique bem mais perto do que outras. E, quando é possível a escolha, ficar ou não ficar, eis a questão. Eu cá aprecio (con)viver em liberdade. Ajustes, concessões, às vezes são naturalmente precisos, mas que o preço não seja demasiado alto. Que as ligações me permitam ser espontaneamente eu própria.

11 comentários:

  1. Gostei muito. Um tratado sobre relaciologia...
    joao de miranda m.

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  2. Muito BOM! Umm tratado sobre a VERDADE nas relações e no auto-conhecimento. Dito de forma clara e inteligente. Parabéns e obrigada, Fatinha! Luisa Alc.

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  3. Este artigo diz-me mesmo muito...tenho reflectido sobre o assunto e tu sintetizaste de forma muito simples, mas efectiva :)) Gi

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  4. Gostei muito, Fatinha. Penso que o que mostramos ou somos depende em parte de com quem estamos. Acho que há pessoas que despertam em nós o melhor, uma sensação de bem estar, o ser espontâneo. Outras...nem por isso. Obrigada. :)))Isabelinha

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  5. Olá Fátima, adorei... que nome dás aquelas relações que duram e perduram, e cada vez mais ...não passas sem elas. Dina

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  6. Antes de mais, gostaria de dizer que este texto tem muito a ver contigo (não que os outros textos que escreveste não tenham) e com os aquarianos em geral. Os nativos deste signo preferem claramente as pessoas interessantes (bom, quem não prefere?) e "toleram" ou "suportam", por vezes, as pessoas pouco marcantes que se cruzam no seu caminho ou que fazem parte da sua vida. Isto do que eu conheço dos aquarianos...(mas a expert és tu!!)
    Achei a tua análise das "relações" muito bem conseguida e estou em sintonia contigo. Também me custa manter a convivência com certa pessoas que fazem parte do meu universo relacional, por não me identificar mais com algumas delas (p.ex.). Porque todos nós, mudamos, evoluímos, por vezes, em direcções opostas... e já não queremos as mesmoas coisas ou não temos quase nada em comum. Marla

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  7. De acordo contigo, as usual! Resumiste o essencial,de forma bastante clara. Não estar com, não significa necessariamente não gostar de... Todos fazem parte de um caminho que trilhamos e surgem nas nossas vidas respondendo ao que de momento precisamos, a fim de evoluirmos mutuamente...Mas a tendência é cozer a etiqueta "Juntos para sempre", seja em relacionamentos amorosos, seja de amizade ou de sangue...E na verdade, o EU acaba sempre por se manifestar,pois sente-se incómodo,quando espartilhado sufoca... A beleza da amizade é o respeito pela individualidade e esse implica dar espaço ao EU e ao NÓS... Parabéns amiga,por mais uma reflexão interessante!Nené

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  8. Apenas acrescento que o "cozer" é mesmo "cozer",podia ter dito assar ou fritar...ainda que a palavra etiqueta tb não desvirtue o mais óbvio, que seria "coser"... ;)Nené

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  9. Fatinha, nunca passo ao lado de nenhum do teus escritos...todos foram lidos e todos foram alvo de reflexão da minha parte.
    Concordo plenamente com a Nené :)...as relações,sejam elas de que natureza forem, entram nas nossas vida e cumprem um ciclo: nascem, desenvolvem-se e percorremos caminho juntos. Depois vem uma breve ou longa caminhada, lado a lado, conforme a circunstâncias e a vontade ou necessidade de cada um. Estão todas predestinadas a morrer...não há o "para sempre", apesar de alguma relações no proporcionarem pequenos momentos de eternidade. Gi

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  10. Priminha... adorei! Tens de arranjar maneira de fazer chegar a mais pessoas os teus textos, porque são muito bons. Mais uma vez estás de parabéns. Bjs Ana Gonç.

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  11. Acho que o texto não se limita a dizer que não queremos conviver com pessoas desinteressantes, isso é demasiado óbvio. Quer-se dizer que mesmo com pessoas interessantes e gostando delas não implica conseguir viver com elas. Tem de haver SOMEHOW uma difícil e por vezes estarnha simbiose entre a sua alma/ conteúdo e atitude/forma com as nossas. Voilá...

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