março 11, 2011

(In)Comunicabilidade



Um dos meus filmes de eleição é "Babel". Conjuga a minha grande paixão pela geografia com o tema da comunicação (ou falta dela). A frase do trailer que promove o filme é ela própria absolutamente fantástica e emblemática: If you want to be understood ... listen. De facto, será inegável que ouvir será uma belíssima característica. Que nem todos partilham, ainda assim. Há pessoas que falam falam, falam o tempo todo e soam mesmo estridentes aos nossos ouvidos. Ouvem-se a elas próprias e nunca a nós. Quem nunca conheceu ou experienciou alguém ou algo assim? Que pena que assim seja, perder-se a noção da presença do outro, das suas necessidades ou alegrias, para não mencionar só ansiedades. Como é possível não ouvir? Bem, não quer dizer que se assimile tudo vindo de toda a gente, mas é imperativo na relação entre amigos, pelo menos. Assim é. Não nos interessam as historietas e lamúrias de muitos, ou as fofoquices e mesquinhices de outros. Mas ouvir quem nos é caro torna-se quase obrigatório. Até para grandes distraídos, como é o meu caso. Comunicar (expressar-se e ouvir, simultaneamente) com o outro é alimentar as relações humanas, é fomentar a intercomunicação pessoal, é construir afectos como a amizade.
No filme, essa necessidade imperiosa de comunicação é expressa pelo não domínio da mesma língua. Sabemos como é importante falar a mesma língua e não apenas do ponto de vista formal. É preciso falar, mesmo, a mesma linguagem, ainda que a língua seja comum. Ilustrando a primeira, no filme temos uma cena verdadeiramente portentosa. A personagem do Gael Garcia Bernal entra em conflito absoluto com os polícias na fronteira México-EUA precisamente por causa do factor língua. Entra em pânico, de certa forma, mas causado também (e não ingenuamente por parte dos objectivos do realizador) pela incapacidade de ouvir... de ambas as partes, ao que me lembro. Que provoca um grande mal-entendido. As coisas precipitam-se e seguem um curso alucinante e também trágico, de alguma maneira. Se passarmos para outra parte do mundo (que belo filme a fazer-nos viajar) encontramos filha e pai japoneses manifestando uma total ausência de comunicação. Isto ilustra perfeitamente a segunda. Dominando ambos a mesma língua física, não falam a mesma linguagem. Há silêncio, há desconhecimento, há distância. E a não-comunicação está lá na mesma. Levando à incompreensão. E a comportamentos de estranha tristeza e deriva da adolescente.
Também nós provavelmente conhecemos indivíduos que não "falam a mesma língua" que nós. Língua em comum mas linguagem em total colisão. E provavelmente também não conseguimos desenvolver com eles relações para além de trabalho ou outras menos significativas ainda. E pode até acontecer que estejam na nossa família, é possível. Não a escolhemos, a alargada, pois não? Mas se se trata de amigos, fruto da nossa escolha, então é imprescindível que nos conheçamos. E esse conhecimento advém de partilharmos uma linguagem em comum. Com amigos estrangeiros´teremos que ter uma outra ponte comum também... a língua formal. Porque sem ela não há comunicação mais aprofundada que resista.
Entre língua e linguagem, parece-me então que é difícil coabitar, melhor, coexistir, numa babel linguística e de ideias e emoções não expressas. Embora e como toda a cena do inusitado acidente em Marrocos sugere (Cate Blanchet é alvejada por um miúdo que experimentava uma arma do alto do monte, enquanto dormitava no autocarro de turistas) haja uma coisa que liga os povos e as pessoas - a solidariedade, a vontade de ajudar, a identificação pelos sentimentos, o impulso pela sobrevivência e em última instância a vitória sobre a tragédia. Estando-se receptivo ultrapassam-se muitas das barreiras linguísticas.
Portanto, e voltando ao princípio, se queres ser entendido ... ouve.

2 comentários:

  1. Brilhante leitura de um filme que também que me tocou imenso! Fiquei impressionadíssima com as cenas em Tóquio, uma cidade dominada pela tecnologia e consequentemente pela alienação e frieza das relações entre as pessoas. Curiosamente, é entre pessoas mais próximas que se verifica uma grande incomunicabilidade.
    A falta de comunicação é uma presença constante nos dias que correm, quer no seio familiar, quer até no círculo de amigos... Todos nós já nos sentimos incompreendidos ou passámos por situações em que parecia não haver comunicação.
    Como tu dizes e muito bem, a capacidade de saber ouvir é uma qualidade fundamental na comunicação interpessoal. (infelizmente, nem sempre a encontro nas pessoas mais próximas)
    Mais uma vez escreveste um belíssimo texto sobre uma temática muito interessante sobre a qual TODOS nós deveríamos refletir e, quem sabe, poder melhorar a nossa relação afetiva com os outros. Marla

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  2. "Língua em comum mas linguagem em total colisão" - Impressiva frase, muito impressiva.
    Excelente análise sobre os muros e as muralhas que nos emparedam...
    É aqui que venho sempre aprender sobre cinema.
    joao de miranda m.

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