abril 27, 2011

(Des)Construção em auto-retrato


Sejamos francos - estamos preparados para falar da nossa alma e sobretudo conhecermos os nossos defeitos? Não, de todo. E, no entanto, o auto-conhecimento é das áreas mais fundamentais da existência humana. Através dele poderemos encetar novas possibilidades e descartar outras, ajustando-as ao nosso eu e construindo, dessa forma, as melhores vias rumo aos nossos desejos...
O que se nota, então? Frivolidade - na maior parte das conversas, falsa autenticidade - na maior parte das posturas, superficialidade - em grande parte das relações, sobretudo se forem de trabalho. Com isto quer-se dizer que não há verdade na maior parte das nossas atitudes, pois não transparecem aquilo que verdadeiramente somos. Porquê? Porque o cansativo e postiço jogo social a isso o obrigará mas também e fundamentalmente por profundo desconhecimento de quem somos. Se ignoro os traços do meu retrato como pintá-lo para que outros o vejam?
Domínios como a psicologia, a terapia, a análise, a astrologia  e outros que tais ainda continuam a ser alvo de estigmas por boa parte dos indivíduos. Troçando e rejeitando as suas potencialidades, continuam aqueles a acreditar em coisas que não são, projectando imagens de si mesmos que não correspondem à realidade nem nada que se pareça. A isto provavelmente chamar-se-á medo. O auto-conhecimento reveste-se de contornos que nem sempre serão agradáveis. Desmontar as peças e ganhar consciência de características menos positivas assusta-nos; queremos ser bons, mesmo excepcionais, a toda a hora se possível, ter domínio absoluto das nossas emoções e, sobretudo, não perder esse domínio perante os outros. Queremos estender as nossas luminosas e às vezes apregoadas qualidades a tudo, trabalho, casa, família, sociedade, amizade e mais que sejam. O lado obscuro...não o queremos entrever.
Qual a razão de não querermos esse confronto? Qual a razão pela qual não queremos aprofundar o conhecimento de nós próprios? Ficaremos mais chatos aos olhos dos outros? Menos divertidos? Ou também acarretará, realmente, algum tipo de sofrimento interior? Não podemos ficar  um pouco melancólicos ou pensativos, pois é. A sociedade de hoje não promove a introspecção, nem a verdade, pelo contrário, exige alegria e tontice em estilo non-stop. E lá continuamos, falsamente impávidos e serenos, usando a máscara que comprámos para nós mesmos e que não ousamos retirar. Preconceito, falta de coragem, pressão, inconsciência, dissimulação, jogo, inverdade, imagem, todos se combinam para nos afastar de nós mesmos.
Faz ... pensar? Estamos a sentir porventura menos ... alegria? Estamos a olhar para ... dentro de nós? Óptimo, óptimo. Precisamos absolutamente destes cortes reflectivos. Não poderemos existir sempre em ritmo voraz... conhecer a matéria de que somos feitos implica tempo, esforço, profundidade, até dor. Podemos não estar preparados mas, diria, é essencial.

4 comentários:

  1. De facto venho confirmar em cada crónica que escreves, gosto do teu estilo conciso e claro, mesmo em assuntos tão delicados como estes. As imagens são sempre tão adequadas ao texto que até parece que foram feitas à medida para o ilustrar.
    De facto subscrevo a importância do auto conhecimento...é doloroso não se encontrar na perfeição idealizada, mas é a única forma de caminhar na verdade e não no conforto de uma doce ilusão. Não vale fugir de si próprio, não vale viver do doce conforto do elogio constante...
    Gi

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  2. Olha, amiga, subscrevo. E podes crer que é das coisas mais difíceis... e porventura a que vale mais a pena, pois sem isso não pode existir verdade. Olha, estou a gostar de conhecer esta tua vertente. :)) Luisa Alc.

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  3. Tocaste em varias feridas: a falsidade decorrente dos papeis sociais, a negacao do verdadeiro Eu perante os outros, a rejeicao do nosso lado obscuro, a sociedade viciada no facil e nos resultados imediatos...

    Para nossa infelicidade, a tendencia e cada vez mais esta.

    Pessoalizando a questao.
    Vejo-me como paladino da justica e da verdade mas essa postura tem-me dado quebreiras de cabeca... No trabalho, por exemplo. Ja deixei de ter a paciencia que tinha perante insolencias, faltas de respeito e profundas injusticas. Pelo contrario, as vezes reajo a quente e depois quase que me arrependo (quase)

    Embora coberto de razao, desenvolvo um certo e inevitavel peso na consciencia; os outros, tambem suavizam ligeiramente o comportamento, sabem que erraram mesmo nao admitindo qualquer pedido de desculpa. Depois o ambiente melhora e as coisas ficam esquecidas. Esquecidas ate um novo despique despoletado por estas pessoas inconstantes, inseguras e stressadas, que 'trazem' a casa para o trabalho e o trabalho para casa. E o circulo vicioso assim se renova.

    Nao se trata de querer verbalizar todo e qualquer pensamento que tenhamos mas quem me dera poder dizer mais vezes o que eu penso. Porem, como sabemos, as convencoes sociais nao permitem esta veleidade.

    Quanto a mim, a chave e encontrar um equilibrio, dificil, muito dificil mas possivel. E tambem opino que quanto mais proximos somos de determinada pessoa, mais honestos e verdadeiros necessariamente teremos que ser. Uma relacao de proporcionalidade directa verifica-se e apenas no seio da familia e amigos chegados devemos estar aptos para confessar sentimentos e pensamentos menos nobres e susceptiveis de nos envergonhar.

    No fundo, o obscuro de que falavas, o 'lado lunar' do Rui Veloso, os ciumes, os medos, as angustias, as perversoes, os maus genios, etc.

    Tens toda a razao, so o que diverte e que e 'cool', so os reality shows e as piadolas parvas e picantes e que geram aceitacao social. Introspeccao e seca mas o pessoal confunde introspeccao com apatia.

    Um ultimo ponto neste ja bem longo comentario. Os grupos sao incontornaveis, precisamos deles, e atraves deles que fazemos os melhores amigos e que, normalmente, conhecemos namorados, namoradas e futuros conjuges. Mas nao e menos verdade que os grupos podem ser muito perigosos porque ha sempre macas podres e sao muitas vezes elas que constituem os principais fenomenos de popularidades. E nos, mais timidos ou inseguros, poderemos tentar e querer ser como estas macas podres, por mimetismo social.

    Desde ha alguns anos, reservo a palavra amigo apenas para quem posso ser tambem melancolico, desanimado e triste. Entre este selecto grupo, nem meia duzia tenho; pessoal para jantaradas, copos, concertos e outros acontecimentos sociais tenho muitos, dezenas, talvez centenas. Mas estes sao apenas conhecidos, nao amigos. :)

    Desculpa a falta de acentucao em todo o texto mas o meu portatil e estrangeiro e nao dispoe desse recurso no teclado. :)

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  4. Adorei este comentário, por tudo. Tão verdadeiro, intimista, partilhado. E que bela definição dás de amigo,não saberia dizer melhor. Não escreveste o nome mas acho que sei quem és:) Mt obrigada por "perderes" tempo a escreveres no blogue, eu "ganhei" em ler. Faty

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